Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Paradigma dos Direitos da Natureza 23 Assim como as mães humanas, Mãe Terra é aquela dotada da inigualável função material e espiritual de prover e manter a teia da Vida, oferecendo território para o caminhar, alimento para nutrir, energia mantenedora das relações e conexões que encadeiam a teia da Vida de maneira naturalmente harmônica entre o caos e a ordem, entre o viver e o morrer, que transmuta e faz o céu permanecer em pé, gerando e regenerando. (OLIVEIRA, 2020). Nesse universo, a harmonia com a Natureza é o princípio dos princípios, a amálgama de outros princípios que seguem em estreita observação da abundância criadora da “ Pachamama ”, a complementariedade de opostos e do terceiro incluído que, por sua vez, são desdobráveis do princípio da relacionalidade ou reciprocidade. O paradigma da Harmonia com a Natureza, tecido a partir de uma percepção plural, multirrelacional e simbiótica da vida, apoiado nos princípios de comunidade e de complementariedade de opostos, integrado pela consciência da Vida (MORAES, 2018). Disso decorre que há uma interdependência visceral no sistema maior da Vida, a “ Pachamama ”, que se desdobra desde as relações microscópicas entre si e destas com os demais seres da teia, sendo o Coronavírus (SARS-CoV-2) sua maior expressão, até as relações imanentes das energias dos elementos naturais, físicas e telúricas e das cósmicas. O resultado da harmonia na Natureza, tendo em vista a condição de interdependência, depende da realização da reciprocidade na medida da complementariedade em que se dão as relações, desde as interações biológicas até o matrimônio que se dá no nível cósmico que tudo gera (BOFF, 1981). Na perspectiva das comunidades, dos povos originários, os complementares são o sustentáculo da vida, a partir do feminino da Mãe Terra que é preenchido na comunhão com o masculino do Pai Sol. Na perspectiva das pulsões humanas, a complementariedade não passa despercebida na comunicação do que é exterior ao sistema, mas que com ele faz uma unidade maior. O ser humano pós-moderno volta a perceber, da memória ancestral universal, algo que o toca desde sua célula original. De que viver propriamente não consiste simplesmente em viver, mas em conviver com todas as outras coisas animadas e mesmo as supostamente inanimadas. De que o que se opera no mundo exterior se reflete no seu mundo individualizado interior. A relacionalidade, assim, opera de forma tendenciosa a complementar e a reciprocidade consiste em ter internalizada a consciência de que a doação será ofertada e a contrapartida que parte de sua ação individual é certa, porque faz parte natural ao comportamento sistêmico que, se não sofrer intervenções daquilo que está fora, se opera no fluxo natural. E é no entorno deste sistema total, no âmbito mundial, planetário, onde se situa a natureza, que se não tiver reconhecida na totalidade dos sistemas sociais parciais – isto é, do direito, da política, da economia, da educação, da religião etc. - sua dignidade própria, com os direitos daí decorrentes, tal como aqui Vanessa Hasson de Oliveira convincentemente postula, vai ser solapada a base mesma de sustentação em que se assenta o sistema social total, com sua subsequente derrocada (GUERRA FILHO apud OLIVEIRA, 2016).

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