Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Paradigma dos Direitos da Natureza 19 Outro traço importante é que o caso paradigmático “se torna tal suspendendo e, ao mesmo tempo, expondo seu pertencimento ao conjunto, de forma que nunca é possível separar nele exemplaridade e singularidade” (AGAMBEN, 2019, p. 41). Por consequência, a ciência moderna e as suas teorias críticas não romperam ou desconstruíram os paradigmas que fundamentaram a imaginação modernista da “humanidade como totalidade construída com base num projeto comum: direitos humanos universais” (SANTOS, 2019b, p. 42). Se os direitos são “humanos” e “universais”, todos são iguais, não possuindo “diferenças” e devendo a “humanidade” proteger e garantir os “humanos” dentro dos paradigmas e das racionalidades que denominaremos de “coloniais”. Porta-se em suas faces econômica e instrumental como pilar do processo civilizatório moldando relações do corpo social com a “natureza”. Reproduz, assim, a “racionalidade científica e tecnológica que busca incrementar a capacidade de certeza, previsão e controle sobre a realidade, assegurando uma eficácia crescente entre meios e fins” (LEFF, 2015, p. 136), necessidade de um domínio da “natureza” e sua total “subjunção”. A lógica emergente de saber, conhecer e promover enquanto “paradigma” tem na “racionalidade ambiental” um de seus pilares, subdividindo-se, nas palavras de Leff (2015, p. 137), em quatro esferas: Racionalidade substantiva; Racionalidade teórica; Racionalidade instrumental e Racionalidade cultural. Desse modo, “o conjunto paradigmático nunca é pressuposto aos paradigmas, mas permanece imanente a eles” (AGAMBEN, 2019, p. 41). Essas racionalidades enquanto “paradigmas” são capazes de “desconstruir” (DERRIDA, 2001, p. 48), invertendo a lógica das necessidades e hierarquias construídas no bojo da racionalidade do sistema mundo moderno e colonial. Descontruir essa racionalidade significa admitir os traços do paradigma levantados até aqui por Agamben, reconhecendo que o modelo colonial baseia-se na distinção entre as exclusões não abissais – tensões e exclusões entre os indivíduos, porém não colocam em questão a equivalência e reciprocidades básicas –; e as abissais – tensões e exclusões de alguém que não é humano, campo da inexistência da equivalência e da reciprocidade (SANTOS, 2019b, p. 43). Indígenas, quilombolas, povos tradicionais, ribeirinhos vivem no mundo do “eles” e não possuem nenhuma relação com a “racionalidade”, pois são irracionais, bárbaros, subdesenvolvidos e precisam abandonar a “natureza”, pois lá é o local do “irracional”. Se a “natureza” é objeto na racionalidade do sistema mundo moderno e colonial e as pessoas lá estão, o estão porque são irracionais e assim devem ser “assimiladas” e “aculturadas”. Ressalta-se que “os direitos humanos convencionais, enquanto parte da modernidade ocidental, têm como limite ontológico a impossibilidade de reconhecer a plena humanidade dos sujeitos que se encontram abissalmente excluídos” (SANTOS; MARTINS, 2019, p. 22). Admitir que as “monoculturas” não são capazes de resolver os problemas criados pela modernidade, como o fim da pobreza e das desigualdades, significa, em primeiro lugar reconhecer a existência de “pluralidades” e diversidades do “ser humano”, não contempladas pelos direitos humanos convencionais.

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