Mariza Rios 120 Sobre essa afirmativa podemos relembrar que, com o rompimento da barragem de Brumadinho, que teve como consequência imediata a morte do rio Paraopeba25 , toda população foi afetada. O próprio Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) recomenda “não se utilize a água do Paraopeba [...]. Não houve nenhuma manifestação do governo do estado diferente daquela que recomenda a suspensão [do uso] da água, ou seja, da água bruta, da água in naturano rio [...]. E nós estamos avaliando porque não é só uma questão ambiental, é uma questão de saúde pública”. 26 Assim, fica evidente que necessitamos um do outro, temos uma dependência comum; a sobrevivência do rio é também a nossa, a ponto de ultrapassar os limites da rede local. Nesse sentido, a morte do rio é também a possibilidade da morte de todos os membros da rede e, sendo a comunidade indígena o membro da rede de maior experiência histórica, esse membro deve ser conhecido e reconhecido por todos. Da parte deste membro – a comunidade indígena –, se visualiza o compromisso de reciprocidade quando saemàs ruas, por exemplo, para vender seu artesanato e contam e recontam a história do rio Paraopeba como parte de sua própria vida, com a mesma história e, portanto, sujeitos de direitos que devem ser preservados, cuidados e defendidos. Nessa paisagem, Boaventura de Sousa Santos27 , fazendo uma releitura da ciência, anuncia que muitas coisas, gestos e atitudes foram esquecidos pela própria ciência. Por isso, ele apresenta o que ficou conhecido como Sociologia das Ausências e das Emergências, fazendo uma crítica ao modelo de racionalidade ocidental, que chamou de razão indolente, propondo outro modelo, o da razão cosmopolita, fundado nos procedimentos do reconhecimento das ausências, das emergências e no trabalho de tradução. Dessa maneira, em nosso caso concreto, a tarefa do reconhecimento das ausências e das eleições das emergências é das redes locais, mas a da tradução, aqui compreendida como proteção dos valores e direitos comuns, cabe às instituições locais a obrigação de manter, reforçar e garantir as decisões comunitárias. Somente assim podemos compreender o desafio/tarefa de conhecer e ocupar os instrumentos locais garantidores de valores comuns da comunidade. Nesse campo, voltando a nossos estudos anteriores, 28 apresenta-se a condicionante da necessidade da reconstitucionalização dos direitos que passam necessariamente por uma interpretação centrada no reconhecimento dos significados trazidos pela conivência das comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, 25 Após a tragédia de Brumadinho, Fundação decreta morte do rio Paraopeba . Disponível em: https:// g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2019/02/04/apos-tragedia-de-brumadinho-fundacao-de creta-morte-do-rio-paraopeba-em-para-de-minas.ghtml. Acesso em: maio 2020. 26 IGAM. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/07/23/quase-6-meses-apos-tragedia-da-vale-uso-da-agua-do-paraopeba-segue-sem-previsao-impacto-ao-meio-ambiente-ainda-e-analisado.ghtml. Acesso em: 3 maio 2020. 27 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais , Coimbra, n. 63, p. 237-280, out. 2002. 28 RIOS, Mariza. Produção de Direitos : a experiência da comunidade remanescente de quilombo de Preto Forro. Passo Fundo: IFIBE, 2008.
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