Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra 117 destruição através de rituais de cura” – referindo-se ao crime pelo rompimento da barragem de Brumadinho14 . Nesse contexto, volta-se a 2018, quando Avelin Buniacá Kambiwá, da etnia Kambiwá, de Pernambuco, em uma entrevista veiculada peloBrasil de Fato esclarece: “A terra está muito degradada, ainda não dá para viver dela. O rio está poluído e tem que ser salvo. Temos que estar lá para guardar o rio Paraopeba, o resto de mata que ainda tem e parar essa mineração”. A partir de então, a comunidade passa a depender diretamente das águas do rio Paraopeba para a pesca, lazer, produção de mandioca, milho, banana, frutas e hortaliças, produção de óleos usados em rituais de cura e limpeza espiritual e a lavagem de roupas e louças, em perfeita harmonia a natureza, terra e comunidade indígena. Com o rompimento da barragem (2019), afirma um indígena ao jornalEstado de Minas (2020) 15 : “O rompimento da barragem nos trouxe um luto sem fim. Não tem reparação, foi a perda do nosso rio. Era a nossa vida, o nosso lazer, o nosso sustento, a nossa cultura: era tudo para a gente. E morreu nossa cultura ali. Onde ensinávamos nossos rituais para os mais jovens. A pesca era um ensinamento tradicional”. Na mesma entrevista – quando já presente no mundo o novo coronavírus – afirma o jornal que os indígenas “para se prevenir da pandemia, espalharam placas proibindo o acesso de estranhos e lacraram a aldeia, ficando a mais de 20 metros do rio Paraopeba, que lhes é tão importante”. Aqui podemos perceber que, com a morte do rio – crime cometido pela Vale do Rio Doce –, os indígenas passam a construir novas pontes que possam interligar sua história, seu território, suas vidas e suas relações com a comunidade. Sim, porque enquanto vendem o artesanato, contam e recontam a história do rio afirmando: “O rio é o Deus que nos criou. Sem água, hoje ninguém vive. Estamos sem nossos rituais nas águas, nossas crianças não se banham mais no rio e não há mais peixes”. Isso, do nosso ponto de vista, significa mais do que a busca pela sobrevivência. Significa denunciar a morte do rio e, junto com ela, a sua disposição de ajudar na recuperação, mas, além disso, anunciar para a comunidade local e para os turistas a sua própria existência e, assim, a importância de que a vida humana, a terra e a natureza estão interligadas. Assim, podemos confirmar que a nossa primeira premissa está correta. Ou seja, não podemos falar de duas histórias, a do rio e a da comunidade, porque, se assim fizermos, estaremos desconectando a ponte que liga dois sujeitos de direitos, o rio e a comunidade. O desafio agora passa a se evidenciar, trazer à presença, como nos ensina Boaventura de Sousa Santos16 , valores comuns que foram reconhecidos pelos respectivos instrumentos jurídicos formais locais que podem servir de fios constru14 O rompimento da Barragem de Brumadinho ocorrido em 25 de janeiro de 2019 foi reconhecido como crime ambiental do país com perdas irreparáveis de vidas humanas e a devastação do rio Paraopeba. 15 Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/03/interna_gerais,1135141/ indios-pataxo-de-sao-joaquim-de-bicas-alegam-desamparo-e-fecham-tribo.shtml. Acesso em: 15 jun. 2020. 16 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais , Coimbra, n. 63, p. 237-280, out. 2002.
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