A capoeira joga com a dureza da vida

76 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 4 Podemos considerar que a ação dos atores na cidade busca amainar a vulnerabilidade considerada e se refere à falta de confiança nos administradores da segurança, mas também à desesperança de políticas públicas capazes de instaurar ideais sociais de igualdade e justiça (ECKERT, 2007, p. 73). A identificação étnica, segundo o líder do quilombo, foi impulsionada pela prática da capoeira. Ao encontro de Michael De Certeau (1990): Essas astúcias muitas vezes minúsculas da disciplina, maquinarias menores mas sem falha, tiram sua eficácia de uma relação entre processos e o espaço que redistribuem para produzir um operador (CERTEAU, 1990, p. 175). Em relação às táticas de resistência apreendidas através da capoeira, o professor de Capoeira Angola Rodrigo Machado fez revelação instigante: Aquela coisa da batalha, de recuar quando tem que recuar, atacar na hora que tem que atacar. Isso sempre foi aplicado aqui no Quilombo dos Machado, sem isso ficaria muito difícil a gente se manter aqui. Somos muito gratos às coisas que aprendemos na capoeira, porque sem ela a gente não conseguiria nos mantermos aqui dentro.22 Infelizmente, o medo da criminalidade que assola o contexto urbano acaba por condenar socialmente a maioria da população negra e pobre como uma ameaça à segurança da população. É uma violência simbólica, que agride a subjetividade de quem se sente discriminado, causando danos incomensuráveis. O interlocutor P., de 19 anos, é morador do quilombo e trabalha em uma madeireira. Ele relatou sentir medo de sair à rua para trabalhar. Durante a nossa conversa, percebi a expressão de trauma no jovem que revela um constrangimento ao ser perseguido por seguranças quando vai ao supermercado. É preocupante essa oscilação emocional presente no 22 Entrevista gravada com Rodrigo Machado.

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