A capoeira joga com a dureza da vida

58 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 4 as relações com outras práticas e crenças se revelou como estratégia de sobrevivência aos avanços da modernidade imposta pela cultura branca dominante. O encontro de culturas oriundas do continente africano ocasionou uma fusão e trocas que fortalecem a identidade negra, gerando um referencial de pertencimento estabelecido pelas “semelhanças familiares” (HALL, 2003, p. 36), proporcionando assim uma transgressão aos limites políticos. Stuart Hall (2003) problematiza as periodizações da cultura negra e sua desvalorização, assim como a invasão por parte da cultura branca dominante, ação que vem, através do tempo, deturpando seus valores mais profundos. A marginalização das práticas culturais negras fora intencionalmente criada e disseminada para que houvesse uma fragilização dos focos de resistência étnica e cultural negra para a implantação de uma nova ordem social branca. Em suas “Notas sobre a desconstrução do popular”, Stuart Hall denuncia que, através da Longa Marcha para a modernização, foi iniciado um processo de “moralização” das classes trabalhadoras brancas e de “desmoralização” dos negros, estabelecendo assim uma prática de estratificação condicionada pela “reeducação do povo”. O valor simbólico estabelecido através de um diferencial estético impulsionado pelas manifestações de matriz africana no Brasil é desvalorizado através do racismo institucional. Essa fronteira demarca, em alguns aspectos, os limites para o reconhecimento e acesso a questões básicas de direitos constitucionais para os negros. Além disso, a propagação de uma invisibilidade social acerca da dignidade do sujeito negro induz que o mesmo assuma o pensamento e o comportamento direcionados pela cultura hegemônica branca, ou seja, a assimilação por uma suposta integração. A cultura não é estática, está sempre em processo de formação e, com as múltiplas influências da globalização, a questão central não está no ser, mas em um constante resgate através da tradição, em se tornar. Como Marcelo Silva expressa em sua pesquisa sobre as escolas de samba: Esses olhares na Quadra, lançados pelos partícipes, a sensação de cantar algo ou alguém que não esteja presente, esse sentimento de ausência, esse grito que tem que ser ouvido a qualquer custo, ecoa e atravessa qualquer que seja

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