50 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 4 gual reafirma o poder de coerção da sociedade, que inibe a revelação espontânea das emoções. A coerção implícita da “etiqueta social” obriga o sujeito a conter e interiorizar sua dor em uma demonstração de equilíbrio e comprometimento civil. Embora a prática de racismo seja considerada crime inafiançável no Brasil, muitos representantes da segurança do Estado normalmente negligenciam e até dificultam a comprovação do delito. Sendo assim, na maioria das vezes, comprovam o viés cultural de naturalização do racismo. Desse modo, o sentimento de injustiça tomado pelo cidadão negro que sofre tal violência o leva a reagir com atos de violência que “viram o jogo” e o tornam delinquente e fatalmente passível de penalidade. Aspectos dessa desconsideração e racismo repercutem também no modo como as pessoas ingressam em uma arena pública. O caráter competitivo e individualista de nossa sociedade potencializa a “sabotagem” em relação à ascensão de nível social dos negros, quando arbitrariamente ocorre uma escolha guiada pelo corporativismo racial branco que normalmente detém o poder de intitular qual dos competidores será beneficiado e alcançará tal posição. Culturalmente, no Brasil, a cor da pele pressupõe um mérito pré-estabelecido pela origem étnica. De fato, o pré-requisito da “boa aparência”, que foi usado em divulgações de ofertas de emprego nas décadas de 70 e 80 do século XX, após ser proibido devido à sua expressão discriminatória, agora é praticado de forma subliminar e cinicamente silenciosa. É possível, através dessa reflexão, dimensionar, mesmo que minimamente, os efeitos danosos à estrutura emocional dos negros no Brasil devido ao fator de exclusão social na construção de sua subjetividade e autoestima. Como revela Mauss: [...] Meu assunto é bem diferente, e é independente. É um assento de história social. De que maneira, ao longo dos séculos, através de numerosas sociedades, se elaborou lentamente não o senso do ‘eu’, mas a noção, o conceito que os homens das diversas épocas criaram a seu respeito? O que quero mostrar é a série de formas que esse conceito assumiu na vida dos homens, das sociedades, com base em seus direitos, suas religiões, seus costumes, suas estruturas sociais e suas mentalidades (MAUSS, 2003, p. 230).
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