47 A CAPOEIRA JOGA COM A DUREZA DA VIDA Comecei a relatar o ocorrido. Ela digitou meu depoimento e depois perguntou: Nome completo, endereço, grau de instrução. Grau de instrução: Superior completo. Pós-graduando em antropologia na UFRGS, bolsista da Capes e estava em pesquisa de campo no momento em que ocorreu o fato. Ela pela primeira vez me olhou de frente, disse que minhas mãos estavam bem machucadas, perguntou se havia mais algum ferimento e que me encaminharia para o IML para exame de corpo de delito. Enfim, uma situação em campo em que não me percebo correndo com o povo transgressor ao qual estou observando, mas, acima disso, me tornei a própria transgressão. Os potenciais interlocutores se posicionaram de forma a neutralizar o fato, o que me despertara tamanha indignação e me distanciou, também, de minha comparação à Geertz. Estratificação social e ódio racial no Brasil: gênese e atualizações “O incômodo emocional nos leva a estudar antropologia”. (antropóloga Ceres Victora) As reflexões que teço partem da compreensão de que vivemos em uma sociedade democrática no Brasil, no entanto, alguns cidadãos se sentem excluídos em certos espaços, tendo seu acesso a direitos institucionais questionados através da ação discriminatória de alguns agentes sociais. Aminha preocupação está ligada ao sofrimento emocional causado por esse tipo de violência, pois, de fato, é fundamental o reconhecimento comum da sociedade para que se estabeleça um reconhecimento próprio do sujeito enquanto pessoa, enquanto eu, digno da mesma consideração conferida a todos pela sociedade. Historicamente, a população negra foi marginalizada no Brasil. As religiões de matriz africana, enfim, as diversas manifestações culturais, incluindo a capoeira, foram criminalizadas após a abolição da escravatura. Como afirma Marcel Mauss: “A perpetuidade das coisas e das almas só é garantida pela perpetuidade dos nomes dos indivíduos, das pessoas” (2003, p. 377). Sendo assim, me atrevo a
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