46 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 4 mandou eu descer novamente e eu disse que só desceria se fosse para quebrar a cara dele. Mas quem desceu foi o cobrador. Um cara maior que eu e mais forte. Desci gingando e logo vi que ele só tinha tamanho. Muito ruim de briga. E fui dando uns tapas no ouvido dele para não o deixar marcado. Ele em alguns momentos conseguiu segurar minhas mãos e mordê-las. Em um momento desses, o motorista chegou junto e me empurrou para a frente do ônibus. Caí no chão. Levantei rapidamente e consegui conduzi-los novamente para a calçada e sempre mais atento ao cobrador, já que o motorista era um baixinho cagão. Senti dois golpes por trás, de algum objeto contundente, na cabeça, desferidos pelo motorista. Quando o cobrador desviou o olhar de mim olhei rapidamente para trás e vinham correndo em nossa direção mais cinco funcionários uniformizados da empresa de transporte que desceram de um ônibus que passava com passageiros no sentido bairro nessa hora. Então resolvi correr, eles não me alcançaram. O camarada do ACCARA correu junto, mas não se envolveu na briga. Os funcionários da empresa de transporte entraram cada um em seu ônibus me chamando de chinelo, nego vagabundo, e se foram. O camarada e eu voltamos para o local da briga e encontrei apenas meu par de chinelos de dedo. Então lembrei que na confusão minha mochila ficara dentro do ônibus com meu gravador e máquina fotográfica usados no trabalho de campo. Fomos pegar outro ônibus na Av. Baltazar de Oliveira Garcia, pois seria muito arriscado pegar o próximo Manoel Elias. Eu sangrava na cabeça e minhas mãos estavam bastante machucadas. Fiquei dois dias em casa com um tremendo sentimento de pânico e incompreensão e crise com a mãe do meu filho. Fiquei cuidando dos ferimentos, tentando me recompor emocionalmente e, após quatro dias, resolvi seguir o conselho da família e amigos e registrei ocorrência na DP. Chegando à Delegacia de Polícia em uma segunda-feira pela manhã, havia uma pessoa no balcão conversando com a escrivã. Posicionei-me ao lado dessa pessoa e, imediatamente, sem olhar para mim, a escrivã ordenou em voz alta: “moço, você tem que esperar sentado ali”. Desculpei-me e fui sentar ali; em poucos minutos ela me chamou. Sentada de frente para o PC e sem olhar diretamente para mim, a funcionária da Justiça perguntou: “o que foi que houve?”
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