A capoeira joga com a dureza da vida

111 A CAPOEIRA JOGA COM A DUREZA DA VIDA sempre tinha, né?! O mercado era uma sujeira e aquilo me assustava. Tu estava ali e daqui um pouco passava um rato por ti, pombas, era assustador. Mas a galera ali toda era a galera de rua do centro que o mestre fazia um trabalho dentro do Mercado Público. Por isso, minha mãe não deixou eu ficar naquela capoeira ali. Aí, quando eu ia na minha vó, ali na Vila Jardim, eu tinha contato com a capoeira do Churrasco meio de longe, porque eu era branquinho, então todo mundo me tirava pra trouxa e eu sempre quietinho, na minha.33 A reação e atitude de reprovação por parte da mãe de Cássio Tambor relativa ao seu envolvimento com a capoeira, quando acessou o ambiente em que o filho treinaria e os prováveis colegas de capoeira do mesmo, me projetou o olhar para o passado e a perceber que, tanto na realidade social, quanto no imaginário da maioria da população, a capoeira continua sendo uma prática marginalizada. D’Ávila (1998) apresenta registros da primeira metade do século XIX que estão em conformidade com esse preconceito que se cristalizou no senso comum de muitas pessoas “de bem” em Porto Alegre: Os rapazes que constituíam os grupos não eram apenas a garotada das ruas. Entre eles havia os de ‘boa família’ que participavam como chefes ou soldados desses grupos arruaceiros que envolviam-se, muitas vezes, em conflitos de sérias proporções. Os enfrentamentos eram sempre aos domingos – lutas domingueiras, e além do uso de pedra, a capoeira era a principal arma empregada no confronto. Segundo Achylles Porto Alegre a capoeira fazia parte do cotidiano da cidade: ‘Além disso, naquele tempo, a cidade estava infestada pela praga terrível dos ‘capoeiras’, e ainda ‘Desse modo os nossos rapazes iam se familiarizando com a capoeira [...] a capoeira era assazmente praticada’ (D’ÁVILA, 1998, p. 29). 33 Entrevista gravada com Cássio Tambor.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz