A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

291 Para uma nova dimensão dos estudos sobre a história da escravidão: diálogos entre a Segunda Escravidão e a Micro-História Pessoa traz à reflexão outros textos, captando o quanto essa preocupação metodológica está presente na academia italiana e como estão sendo produzidas as pontes entre as diferentes perspectivas, antes tidas como epistemologicamente excludentes. Para Carlo Ginzburg, o “fechar do microscópio” permitiria a projeção de novas perguntas e a revelação de resultados inesperados. Para Francesca Trivelatto (2011) a redução da escala conecta micro e macro pelas próprias relações estabelecidas entre os indivíduos, quando a dimensão do vivido permite acessar o nível das mudanças estruturais. A percepção das múltiplas dimensões por meio do jogo de escalas, permitiriam captar em detalhe o que seria impossível perceber a nível macro ou mesmo revelar as descontinuidades estruturais, submetidas às escolhas dos agentes históricos. Em seguida, Pessoa, imbuído dessa perspectiva metodológica e por meio da análise de trajetórias individuais entrelaçadas em um plano macro, se debruça sobre as relações entre indivíduos e estruturas, entre a classe senhorial do Império e a permanência da escravidão sob novos moldes no Oitocentos no contexto da segunda escravidão. Esse novo fazer metodológico o levou a contestar a tese de João Fragoso, inspiradora de várias gerações subsequentes, acerca do comportamento tradicional e arcaico dos grandes senhores do vale Fluminense. Em suas palavras, o “Vale do café esteve em profunda sintonia com o desenvolvimento do capitalismo no plano da economia mundo, não significando, ao seu tempo, o resultado de um projeto arcaico, destituído de racionalidade e cálculo econômico”. Com a proibição do tráfico em 1831 e a saída de cena dos principais traficantes, a pesquisa do autor o levou a perceber a atuação de outros agentes, menos conhecidos, cujas trajetórias puderam ser reconstituídas, e revelaram uma atuação que conjugava tráfico ilegal e atuações com capital financeiro, compra de ações e companhias de seguro. A pesquisa realizada em diferentes escalas captou homens originários de setores provenientes de outros grupos hierárquicos que superaram barreiras, não reproduziram valores tradicionais e que, no entanto, estavam antenados com a economia mundo. É nesse momento que o autor retoma sua questão inicial e o conceito de segunda escravidão é ressignificado por meio da alternância de escalas e da apreensão de uma determinada realidade a partir de incoerências normativas – justamente aquelas originárias das escolhas individuais e do conceito de sociedade dos indivíduos de Norbert Elias. Trocar as lentes, conectar histórias individuais, familiares e suas redes, captar diferentes dimensões, enfim, articular a escala micro aos proble-

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