A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

282 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Qual a conclusão? Que a noção de segunda escravidão, no que diz respeito ao Brasil, só é operacional para tratar do Vale do Paraíba ou, posteriormente, do oeste Paulista? E exclusivamente por uma perspectiva de história econômica devotada ao circuito internacional de commodities ? Responder positivamente a esta indagação seria o mesmo que supor que a noção de capitalismo não ajuda a entender a exploração do trabalho infantil em carvoarias no Mato Grosso do Sul nos dias atuais, porque Marx não a previu emO Capital . Trata-se de uma questão elementar de epistemologia. A validade cognitiva de uma categoria de análise não se limita necessariamente às constatações empíricas que respaldaram a sua formulação. O conceito de segunda escravidão é relevante por três razões fundamentais: 1) imprime uma escala transnacional ao desenvolvimento do escravismo brasileiro; 2) ajuda a entender as razões de seu dinamismo e vigor econômico, político e social em um contexto de desconstrução progressiva da legitimidade da instituição; 3) redefine, sobre novas bases, as suas conexões com o desenvolvimento do capitalismo. As outras formatações da escravidão só persistiram a longo prazo no Brasil porque existiu uma base material nuclear suficientemente sólida (a base da segunda escravidão), que garantiu, no campo político, as condições para a sua perpetuação. O desenvolvimento da escravidão oitocentista brasileira foi desigual, mas combinado (Trotsky, 2000). Tratava-se de um único organismo econômico e político, não obstante as especificidades. A evidência mais óbvia é a própria manutenção da unidade da antiga América Portuguesa. É importante ressaltar que, no interior de uma mesma ordem socioeconômica, nem todas as práticas estão diretamente ligadas à atividade econômica principal, isto é, àquela que gera a reprodução do capital em ritmo mais intenso. Fernand Braudel, ao analisar a arquitetura do capitalismo na era pré-industrial, destacou que as atividades que o distinguiam, a saber, aquelas que promoviam a geração de lucros extraordinários (grandes feiras, bolsas de valores), constituíam estágios superiores que não envolviam, em absoluto, a totalidade das práticas econômicas. Estas coexistiam com mecanismos rudimentares de produção da vida material , ligados ao consumo imediato, de circulação restritíssima, e com atividades ordinárias da economia de mercado que não encerravam em si as mesmas práticas capitalistas. Decerto, a noção braudeliana de capitalismo pode ser relativizada. Provavelmente, melhor do que restringir a prática capitalista ao piso superior da alta lucratividade seja explorar o nexo global do sistema, isto

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