280 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica duração do escravismo brasileiro: permanece na esfera do costume. Via de regra, essas críticas são vocalizadas em congressos, debates internos de grupos de pesquisa ou em bancas de mestrado e doutorado. Por vezes, alguém reconhece as mudanças às quais a categoria se refere, mas com relutância em acolher a conceituação, referindo-se “ao que alguns autores chamaram de ‘segunda escravidão’” (Lima, 2015, p. 585). Há até quem admita integralmente a sua validade, mas queira lhe atribuir uma conotação autoral, efetuando uma tradução mais “precisa” – “segundo escravismo” (Chalhoub, 2012, p. 43). O certo “mal-estar na civilização” historiográfica nacional em relação à abordagem da segunda escravidão se deve aos fundamentos de duas de suas principais vertentes, a saber, a linha de estudos derivada do programa de história agrária da Universidade Federal Fluminense, que tem como vértice a obra de João Fragoso e Manolo Florentino, O arcaísmo como projeto , e a história social da escravidão capitaneada pela Universidade Estadual de Campinas (Fragoso; Florentino, 2001; Chalhoub, 1990; Marquese, 2013). Tal como a Micro-História, na Itália, ambas representaram reações à essência da história serial da segunda geração daEscola dos Annalese ao marxismo dos anos 1930-1960, os quais privilegiavam o grande número e as regularidades em detrimento do particular; os laços de dependência da América com a Europa e o centro do capitalismo em detrimento de dinâmicas e nexos locais; a coletividade em detrimento do indivíduo. Tanto as pesquisas sobre a escravidão da Escola de São Paulo quanto os estudos coloniais que partiam do paradigma pradiano do sentido da colonização, atribuíam importância menor, segundo os novos anseios, ao mercado interno e às especificidades regionais, promovendo, como diria Ginzburg, uma “equalização dos indivíduos” (Ginzburg, 1993, p. 18-21). Por um lado, buscaram-se práticas econômicas, articulações políticas e redes de sociabilidade que escapavam do fluxo para o exterior orientado pelo estatuto colonial e, mais tarde, pela posição subordinada do Brasil nas relações econômicas internacionais. Por outro, estudou-se a agência escrava por meio da perspectiva thompsoniana , de uma história vista de baixo e em confluência com proposições como as de Ginzburg e Poni – que defendiam que o nome próprio, o marcador individual, fosse o fio condutor da história social – e de Clifford Geertz, pela perspectiva de “descrição densa” (Ginzburg; Poni, 1979; Geertz, 2008, p. 181-190). Ambos os campos, pautados em um exame intensivo da documentação e com resultados bastante sólidos.
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