A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

274 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica féricas a fim de suprir a demanda gerada em torno da crescente procura por algodão, açúcar e café. 12 Assim, a reabertura na clandestinidade do comércio atlântico de africanos no Império do Brasil e a consequente constituição de comunidades escravas ampliadas, integradas a conjuntos de fazendas de propriedade de poucas famílias, encontravam correspondentes em um processo maior de reestruturação das relações de produção na economia-mundo, fosse no vale do café brasileiro, nas haciendas cubanas ou nas plantationsdo Sul dos Estados Unidos. Em síntese, as questões arroladas foram construídas no trabalho cotidiano e sistemático com os irmãos Breves e seus complexos de fazendas, e ampliadas recentemente com a análise ainda em curso de outras trajetórias de senhores-traficantes. Para tanto, nos valemos de diferentes fontes, de inventários a processos criminais, registros que sustentam análises advindas da construção de séries documentais e abordagens qualitativas, esclarecedoras da dinâmica social (Pessoa, 2015, 2018). No entanto, como evidenciamos, os problemas essenciais de pesquisa estavam no nível das escolhas individuais e seus condicionamentos na sociedade dos indivíduos . Para enfrentá-los, na fuga incessante do anacronismo do presente, ou daquele colocado às avessas, fez-se fundamental a alternância de escalas, entre as experiências concretas, perceptíveis nas trajetórias individuais, e o nível macro analítico, informado pelo fortalecimento da escravidão no Brasil, enquanto o Estado Imperial se constituía como nação e redefinia seu espaço geopolítico e econômico na própria economia-mundo do Oitocentos. Entender o porquê de realidades como a encontrada na casa de José Breves, a famosa fazenda do Pinheiro, com seus 400 escravos em plena década da abolição, era o mote do problema. Tratá-lo em sua complexidade exigiu que jogássemos com as escalas e, por conseguinte, que operássemos com a análise micro numa perspectiva global. Isso porque aquele nível analítico envolvia um espaço geográfico e uma realidade transnacional, definido a posteriori nos quadros analíticos da segunda escravidão. Nessa cartilha, a história dos indivíduos, suas redes, contradições e incertezas contribuem sobremaneira para a miragem de uma história total , à moda dos Annales , e, igualmente, para entendermos a complexidade de processos históricos globais em suas múltiplas di12 Dessa forma, “a persistência de relações não assalariadas não é vista simplesmente como uma ‘resistência’ dos grupos feudais, (semifeudais ou quase feudais) ao avanço do capitalismo, mas sim com uma característica definidora do sistema”. Sua expansão “acarreta a incorporação diferencial de várias formas de ‘controle do trabalho’ e não a generalização do trabalho assalariado” (Tomich, 2011, p. 83).

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