A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

273 Microanálise e segunda escravidão: a narrativa dos indivíduos e a modernidade escravista no vale do café colonial”, ainda que essenciais à época, levaram junto abordagens seminais sobre a escravidão brasileira em sua fase mais robusta e contraditória (Marquese; Salles, 2016, p. 99-161). Vale atualizá-las frente ao desafio de compreender como a crise de dominação política que acometeu toda a América detonoumudanças fundamentais nas instituições sociais, provocando “o desmantelamento da escravidão colonial e a construção de novos sistemas escravistas” que avançaram em um tempo promotor de sua força e semeador de seu declínio (Blackburn, 2002, p. 16-40). O reconhecimento dessa reestruturação em um novo tempo marcado, igualmente, pelas condições de sua expansão e fortalecimento de sua crítica, encontra na ideia de segunda escravidão sua melhor definição. O conceito, tecido na linha da história social por Dale Tomich, segue uma apreensão refinada das incoerências normativas que caracterizam o devir histórico do universo escravista. Sendo assim, (...) o trabalho escravo e sua abolição não podem ser vistos como um processo linear, mas sim como relações complexas, múltiplas e qualitativamente diferentes dentro dos processos globais de acumulação e divisão do trabalho (...) [Portanto], longe de ser uma instituição moribunda durante o século XIX, a escravidão demonstrou toda sua adaptabilidade e vitalidade” (Tomich, 2011, p. 95-96). Baseado em Immanuel Wallestein e em sua perspectiva global, o entendimento da economia capitalista se dá pela “coexistência e interdependência sistemática de uma multiplicidade de formas de trabalho, tanto assalariado quanto não assalariado, que compreende o sistema mundial moderno” (Tomich, 2011, p. 58). Para Wallestein, a persistência de diferentes formas de trabalho compulsório configura fator basilar do próprio desenvolvimento do capitalismo, que não segue definido pela expansão da força de trabalho assalariada, nem tampouco pela ilusão do mercado autorregulado. Assim, na lógica de desenvolvimento da economia-mundo oitocentista, o investimento social e econômico no escravismo encontrava lugar nas possibilidades abertas na economia capitalista e na relação entre centro e periferia no processo de acumulação de capital. O conceito definido por Tomich surge como importante instrumento de análise para explicar o processo de montagem e expansão dos complexos de fazendas no Vale do Paraíba e no oeste paulista, inseridos em um contexto maior, no qual a escravidão se ampliou em áreas peri-

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