271 Microanálise e segunda escravidão: a narrativa dos indivíduos e a modernidade escravista no vale do café Discutindo com aqueles que encontravam uma supostamentalidade pré-capitalista entre os senhores de escravos, ou que imputavam a plantation e ao escravismo o atraso no desenvolvimento do capitalismo, os autores asseveraram que “a escravidão não foi, então, um sistema de trabalho intrinsecamente menos racional do que a mão de obra livre” (Slenes; Mello, 1980). Guardando as margens de imprevisibilidade dos processos históricos, Slenes e Mello demonstram que o crescimento da escravidão nas zonas de plantation seguiu um cálculo econômico racional, no qual o cativo figurava como ativo mais atraente do que outras opções de investimento abertas no contexto da segunda metade do século XIX. Em seus próprios termos: A taxa média de retorno do investimento em escravos do sexo masculino com idade entre 20 e 29 anos foi de 13% no triênio 1870-1872; 12% no 1873-75; 15% no 1876-78 e 11,5% no 1878-81. Estas taxas foram comparadas ao valor de 10% para a taxa alternativa de retorno – estimada com base em relatórios governamentais, hipotecas e jornais – que um fazendeiro de café poderia obter caso aplicasse seu capital em outras modalidades de investimento que não escravos no período 1871-88 (...) Os resultados mostram que o capital investido em escravos era pelo menos tão remunerativo para os fazendeiros de café quanto os usos alternativos que esse capital pudesse ser empregado. Esses resultados são bastante significativos, pois os preços reais de escravos entre 1871 e 1881 continuavam crescendo, o que indica que os fazendeiros de café estavam obtendo uma taxa positiva de ganhos de capital no investimento em mão de obra escrava (Slenes; Mello, 1980, p. 102). Apesar das críticas aos métodos de Fogel e Engerman, as assertivas de Robert Slenes e Pedro Carvalho de Mello seguem baseadas em profundas análises demográficas e econômicas, mas seus resultados aparecem quase sempre apartados dos debates sobre a escravidão no Império do Brasil. Não retornaremos aos números nem ao método adotado. Interessa, em particular, uma de suas conclusões: os fazendeiros do médio vale cafeeiro aplicavam seus recursos na escravidão “(...) tal como qualquer outro grupo empresarial orientado para o lucro”, e o obtinham em graus satisfatórios, a despeito das suposições sobre a superioridade produtiva do trabalho livre (Slenes; Mello, 1980, p. 102). Nesse tempo, a perspectiva de adquirir escravos por prestígio, ideal aristocrático e reprodução de status senhorial talvez fosse menos ou
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