A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

270 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica a escravidão, antes de se tornar o “cancro roedor do Império”, 8 era um investimento viável, racional, e há quem diga até bastante lucrativo, pelo menos até o final da década de 1870. Relembremos, nesse sentido, a abordagem clássica de José de Souza Martins, para quem os donos das grandes lavouras eram “fazendeiros-capitalistas ” porque, para além das relações de produção não capitalistas , circunscritas ao universo das unidades agrícolas, mantinham intensas relações de troca com os agentes do capital, casas comissárias, ensacadores de café e instituições de crédito (Martins, 1998, p. 14-15). Embora tal hipótese estivesse pautada no colonato como “relação não capitalista de produção ” , 9 sua formulação, refinada nos conceitos marxistas, trouxe para primeiro plano “as formas de disseminação do capitalismo” e sua acepção numa escala global. 10 A despeito de certa dicotomia entre o mundo das fazendas e um sistema exógeno do capital em construção, Martins reconhece ambas as dimensões, diferenciando a dinâmica da circulação das relações sociais de produção. A manutenção de amplas escravarias em meados do Oitocentos, em um aparente contrassenso ao seu tempo, configurou um dos problemas de pesquisa mais incandescentes na historiografia norte-americana dos anos 1970, sobretudo, após a publicação de Time on the cross: the economics of American negro slavery , de Robert W. Fogel e Stanley L. Engerman (1974). Alvo de densas críticas, sobretudo por quebrar severamente os protocolos acadêmicos e pelo conteúdo estritamente quantitativo dos métodos e da análise, as hipóteses de Fogel e Engerman, assim como a questão norteadora daquela obra foram deixadas no armário da historiografia brasileira. O problema central de que a escravidão não era uma instituição economicamente moribunda em quase todo o século XIX passaria quase incólume aos debates brasileiros nasúltimas três décadas, não fossem duas obras de envergadura colossais, produzidas no final da década de 1970: as teses de Robert Slenes e Pedro Carvalho de Mello (Slenes, 1976; Mello, 1977). 8 A expressão é do Barão de Paty do Alferes (Silva, 1984). 9 “Minha hipótese é a de que o capitalismo, na sua expansão, não só redefine antigas relações, subordinando-as à reprodução do capital, mas também engendra relações não capitalistas iguais e contraditoriamente necessárias a essa reprodução. Marx já havia demonstrado que o capital preserva, redefinindo e subordinando relações pré-capitalistas” (Martins, 1998, p. 19-20). 10 Segundo Martins: “A primeira etapa da expansão do capitalismo é a produção de mercadorias e não necessariamente a produção de relações de produção capitalista (...) Estou, portanto, trabalhando com a premissa de que a mercadoria dá um caráter mundial ao capitalismo” (Martins, 1998, p. 21).

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