A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

269 Microanálise e segunda escravidão: a narrativa dos indivíduos e a modernidade escravista no vale do café companhias de seguro e agentes do capital financeiro. Para além dos casos já citados, vale curta referência à trajetória de José Bernardino de Sá, português pobre que, de jovem caixeiro, passou a Visconde de Vila Nova do Minho e um dos homens mais ricos do Império do Brasil. A princípio, trajetórias como essas não pareciam exceção em meio ao corpo de negociantes estabelecidos no Rio de Janeiro no início do Oitocentos (Martinho; Gorenstein, 1992). Chama atenção, no entanto, que, no caso de Sá, essa projeção tenha se dado articulando a ilegalidade do tráfico no Atlântico, nas costas do Brasil e da África, contando com fazendas de recepção de africanos no litoral fluminense e paulista, e com barracões próprios na costa de Ambriz. O nível de envolvimento de Bernardino de Sá no ilícito trato parece emblemático, sendo a ele atribuída quase meia centena de viagens negreiras na ilegalidade, segundo os dados doThe Trans-Atlantic Slave Trade Database – http://www.slavevoyages.org (Pessoa, 2018c). Figuras como a do Visconde de Vila Nova do Minho, nobilitado em Portugal em 1º maio de 1855, dias antes de morrer, a dos irmãos comendadores José e Joaquim Breves, a de João Henrique Ulrich e de tantos outros senhores-traficantes, ou mesmo senhores que estruturaram suas fortunas diretamente vinculadas à redução de milhares de africanos livres à escravidão durante a estruturação do complexo cafeeiro, estavam, mesmo sem saber, vinculados a uma estrutura histórica que operava com o tráfico atlântico e a escravidão como ativo econômico altamente lucrativo, sem que isso, necessariamente, negasse o potencial de hierarquização e mobilidade herdado de uma sociedade historicamente escravista. Portanto, homens como aqueles não estavam no descompasso da modernidade capitalista da economia-mundo do Oitocentos. Pelo contrário, construíam novos significados no correr do seu desenvolvimento. Significados esses particularmente contraditórios numa sociedade na qual a escravidão era conjugada com a racionalidade econômica do seu tempo. Sugerimos, com isso, que, se de fato uma nova elite surgia no contexto aberto com a montagem e expansão do complexo cafeeiro, paralela à reorganização socioeconômica das redes de negócio do tráfico, conjugou de maneira economicamente hábil, porque sintonizada com a economia-mundo de época, a reversão de seus investimentos à ampliação e concentração da escravidão a partir dos anos de 1830. Assim, ainda que a praça do Rio de Janeiro fosse marcadamente pré-industrial, isso não significava que os agentes que produziam sua dinâmica agissem unicamente pautados em uma lógica de Antigo Regime, tampouco que tivessem apartados da economia-mundo capitalista. Em que pesem as determinações sociais, políticas e culturais, para essa nova elite do café

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz