A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

267 Microanálise e segunda escravidão: a narrativa dos indivíduos e a modernidade escravista no vale do café centos. No estudo mais recente de Fragoso, o recorte adotado para o aparecimento de uma nova elite oitocentista é o fim do comércio de africanos em escala atlântica em 1850 (Fragoso, 2013, p. 157-178). O autor segue interpretação clássica de liberação dos capitais diante do fechamento em definitivo do tráfico. Entretanto, trajetórias como a dos irmãos Breves, entrecortadas por muitas outras, em diversas e diferentes inserções sociais, nos fazem pensar o início da década de 1830 como um tempo de descontinuidade relevante para a economia brasileira. Ao desconsiderá-lo, na amplitude da primeira metade do século XIX, compromete-se a compreensão efetiva de mudanças contextuais relevantes na redefinição dos arranjos políticos e econômicos daquela época. Isso porque, se a lei de 1831 desarticulou e reorganizou as redes de negócio do tráfico nas duas margens do Atlântico, e se aqueles homens de “grossa aventura” que monopolizavam o crédito, os tumbeiros e as companhias de seguro não fossem mais, em sua maioria, encontrados naquelas redes (Ferreira, 1996), uma nova elite não teria se configurado a partir dos anos de 1830, em torno da reorganização do tráfico ilegal e da montagem do complexo cafeeiro? E isso, não só em 1850, quando esse vínculo já se encontrava estruturado, estando em curso, aí sim, um outro processo de realocação dos investimentos. O quanto essa dinâmica do comércio clandestino de africanos, articulada à economia-mundo, tornou o processo de formação da economia cafeeira mais complexo, nas múltiplas relações entre os novos agentes do tráfico, a elite agrária , e a própria reconfiguração da praça do Rio de Janeiro a partir daquela década? 6 Por último, mas não menos importante, em que medida a inserção de senhores como os Breves no ilícito trato materializa, na experiência histórica pretérita, um nível de comprometimento muito mais qualificado da classe senhorial hegemônica no Oitocentos brasileiro com a abertura e manutenção do comércio negreiro na ilegalidade? Não parece gratuito o fato de um dos maiores expoentes dessa nova elite financeira , João Martins Cornélio dos Santos, diretor-fundador do banco mais importante da Corte, depois do Banco do Brasil, tivesse se casado com Cecília de Souza Breves, filha do maior escravista do Impé6 Luís Henrique Tavares foi categórico ao relacionar o tráfico à economia capitalista. Segundo ele: “Conclusão: nada disso podia ficar no nível dos comerciantes de escravos no Brasil ou em Cuba, esses negreiros de todas as nacionalidades; nem apenas nas iniciativas pessoais de um Manoel Pinto da Fonseca, de um José Bernardino de Sá, de um Joaquim de Souza Breves, grandes negreiros no Rio de Janeiro dessa época; (...) Em verdade só poderia ter se dado como se deu: no conjunto complexo de enlaces que tinham suporte nas grandes praças comerciais da Europa e dos Estados Unidos” (1988, p. 29).

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz