266 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica como a montagem e manutenção de um amplo complexo de fazendas escravistas no coração do vale do café esteve em profunda sintonia com o desenvolvimento do capitalismo no plano da economia-mundo, não significando, ao seu tempo, o resultado de um projeto arcaico, destituído de racionalidade e cálculo econômico. Tampouco os protagonistas daquela história – José e Joaquim Breves – representavam a personificação do atraso brasileiro ao investirem suas vidas e fortunas no reerguimento da escravidão no Império. Pelo contrário, levaram ao limite a escravidão como mola mestra do patrimônio que constituíram (Pessoa, 2015; 2018). Os irmãos Breves nasceram no início do Oitocentos, filhos de abastada família, possuidora de sesmarias na região de S. João do Príncipe, hoje municípios fluminenses de Rio Claro e Piraí. Atuaram ativamente na reabertura do comércio negreiro na clandestinidade, enviando tumbeiros seus ao litoral centro-ocidental africano, e mantendo em Ambriz representantes comerciais. Nas águas de Mangaratiba a Angra dos Reis, entre os portos de cabotagem que escoavam a produção de café do Vale, ergueram fazendas que funcionavam como portos clandestinos, estruturados para garantir a logística de finalização dos empreendimentos negreiros. Agiram também politicamente, apresentando na Assembleia Provincial Fluminense, juntamente com outros senhores do Vale, no início da década de 1840, projeto que visava a revogação da lei de 7 de novembro de 1831. Mesmo após a Lei Eusébio, mantiveram-se no ilícito trato até os navios de guerra da Marinha Brasileira atracarem em suas praias, e os reais marinheiros, juntamente com a polícia da província, devassarem suas fazendas. Joaquim, o irmão liberal, foi desmoralizado na imprensa da época. José, o conservador, recorreu a seu amigo Eusébio de Queiroz, e o caso foi silenciado nos meandros dos laços pessoais. O fim do tráfico representou para ambos, assim como para fração da classe senhorial, especialmente a hegemônica, uma ampla derrota política, mas nem de longe, naquele momento, era sinônimo de condenação à escravidão brasileira (Pessoa, 2015; 2018). 5 O período aberto pela formação do complexo cafeeiro e pelo reerguimento do tráfico na clandestinidade segue ainda como hiato em algumas análises sobre a economia brasileira em meados do Oito5 A relação entre o tráfico de africanos na ilegalidade e a estruturação do complexo cafeeiro no sul fluminense é atualmente objeto do projeto Ilícitas fortunas: o tráfico de africanos na montagem do complexo cafeeiro (c1831-c.1855) , em execução no PPGH-UFF no âmbito de estágio de pós-doutoramento financiado pela Faperj. Seus resultados parciais foram publicados em um capítulo e um artigo de minha autoria em destaque nas referências bibliográficas indexadas ao fim do texto.
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