265 Microanálise e segunda escravidão: a narrativa dos indivíduos e a modernidade escravista no vale do café era visto “distante das relações sociais baseadas no trabalho assalariado, e, portanto, da produção de mais valia”. Nesse sentido, era justamente esse caráter, articulado aos expedientes do capital mercantil, aos quais a economia do Centro-Sul se vinculava, que justificavam, em grande parte, a permanência dos “barões de café fluminense na exaurida agricultura extensiva” (Fragoso, 2013, p. 180). 3 Nessa nova análise, Fragoso parece evitar muitos conceitos empregados em trabalhos anteriores. As ideias de “arcaico” ou de “mercado imperfeito” seguem ausentes na qualificação da “elite agrária” oitocentista. 4 Entretanto, ao indicar a emergência de uma nova elite econômica no pós-1850, atrelada, essencialmente, ao mercado financeiro, esse sim tido por “capitalista”, em substituição “[a]os negociantes de grosso trato de finais do Setecentos” (Fragoso, 2013, p. 173), os grandes senhores do Vale seguem presos às lógicas de investimentos de uma sociedade de Antigo Regime, ou seja, continuam a reverter suas fortunas para atividades rentistas e, quando se lançam ao mercado usurário, seu objetivo final continua sendo o acúmulo de terras e de mais escravos. Na visão do autor, entre os séculos XVII e XIX, havia um processo de longa duração no qual as elites seiscentista e oitocentista mantinham em comum a “ideia de honra, entendida como qualidade social aristocrática de Antigo Regime (capacidade de mando em uma sociedade estamental)”. Assim, “os negociantes de grosso trato se transformaram em barões de café, tendo como móvel aquela preocupação, enquanto a antiga nobreza quinhentista baseava sua vida naquela ideia de honra” (Fragoso, 2013, p. 42). Por meio da alternância de escalas, construída na análise de trajetórias individuais e entrelaçada a um plano macrossocial específico, entendido como dimensão da ascensão e queda da segunda escravidão, chegamos a conclusões diametralmente opostas àquelas encontradas por Fragoso. Em trabalho recentemente concluído, analisamos Desgosto particularmente de ‘pré-industrial’, uma tenda cujas pregas espaçosas acolhem lado a lado os fabricantes de roupas do Oeste da Inglaterra, os ourives persas, os pastores guatemaltecos e os bandoleiros corsos” (2005, p. 27). Para crítica semelhante, cf. Marquese (2013, p. 223-253). 3 Embora o autor não seja assertivo nessa antítese, a leitura do terceiro capítulo Ensaio sobre a economia da Corte e sua elite empresarial entre 1850 e 1880 indica que há uma equivalência direta entre “economia industrial” e economia capitalista. Da mesma forma que o conceito de capitalismo segue pautado na ideologia do mercado autorregulado, na definição de mercado assalariado e no conceito de mais-valia (Fragoso, 2013, p. 157-178). Sobre a perspectiva de Marx e o reconhecimento da produção de mais valia nas sociedades escravistas cf. Pires; Costa (2010, p. 13-15). Para uma a crítica à ideologia do mercado autorregulado cf. Polanyi (2012). 4 Ao que parece deram lugar a “continuidades setecentistas” e à “economia pré-industrial” (Fragoso, 2013, p.162; 167).
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