A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

264 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica zendas abarrotado de africanos e seus descendentes, que, segundo seus contemporâneos, eram contados na casa dos três mil escravizados? Em certo sentido, questão bastante semelhante foi formulada há mais de duas décadas pela tese brilhante e monumental de João Fragoso. Recentemente o autor voltou à carga: Um dos resultados que me surpreenderam quando terminei a pesquisa, e que ainda hoje desperta minha curiosidade, é o fato de os barões de café terem permanecido fiéis a suas práticas empresarias rotineiras até os estertores da agricultura escravista (...) Alguns grandes lavradores de outras regiões, nos anos de 1860 e 1870, começaram a transferir suas aplicações da produção escravista para apólices públicas ou atividades com menor risco, como imóveis. (...) Este não foi o caso da maioria dos empresários de Paraíba do Sul. Eles continuaram nas décadas de 1880 a investir no café e no cativeiro. Além disso, tais empresários permaneceram valendo-se das práticas do capital mercantil, como a usura, para alimentar suas plantations cafeeiras com terras e cativos; ambos subtraídos de lavradores endividados (Fragoso, 2013, p. 17-18). A inquietação do autor segue baseada na concepção de que a grande lavoura escravista respondia à “lógica de uma hierarquia social de Antigo Regime”, possibilitando “o retorno à produção do sobretrabalho apropriado pelo capital mercantil nas diversas formas de produção” (Fragoso, 2013, p. 14-15). Resumidamente argumenta-se que aquelas fazendas estariam atreladas à praça mercantil do Rio de Janeiro, caracterizada pelo predomínio das aplicações rentistas na Corte, pelo reduzidíssimo espaço das manufaturas e do sistema fabril, assim como pelo elevado peso da intervenção do Estado na política e na economia (Fragoso, 2015, p. 157-167). 1 Esses elementos articulados acabavam por configurar uma economia “pré-industrial” que, no limite, seguia como antítese da economia capitalista. 2 Da mesma forma, o escravismo, até seus estertores, 1 Segundo o autor, “os números apresentados sugerem que se prefira imobilizar capital em prédios – atitudes características do Antigo Regime – do que abrir empresas por ações, signo de um possível capitalismo” (Fragoso, 2013, p. 160). 2 A crítica de Thompson ao termopré-industrialparece reveladora: “É uma queixa comum que os termos ‘feudal’, ‘capitalista’ ou ‘burguês’ sejam demasiado imprecisos para serem úteis numa análise séria, abrangendo fenômenos demasiado vastos e díspares. Entretanto, agora encontramos constantemente o emprego de novos temos, como ‘pré-industrial’, ‘tradicional’, ‘paternalismo’ e ‘modernização’ (...) Com um cientificismo enganador, esses termos se apresentam como se não contivessem julgamento de valor. Também possuem estranha temporalidade.

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