263 Microanálise e segunda escravidão: a narrativa dos indivíduos e a modernidade escravista no vale do café de caso que se valem de métodos que não exclusivamente a seriação à francesa (Trivellato, 2011). A valorização da experiência individual como categoria analítica possibilitou o “excepcional-normal” de Edoardo Grendi, conceito por meio do qual as regularidades normativas inerentes às contradições das sociedades no tempo são evidenciadas nas fontes e nos estudos de casos tidos por excepcionais (Grendi, 2000). Ou ainda com Ginzburg, na conversão de histórias individuais em veículos para compreensão da complexidade de determinadas realidades históricas e seus componentes estruturais (Ginzburg, 2005). Em ambos os casos, o problema a ser enfrentado estava na transcendência do individual ao nível das experiências compartilhadas, suas regularidades, estruturas, disfunções e incertezas. Em outros termos, na “sociedade dos indivíduos” de Norbert Elias. A insistência da Micro-História italiana nas agências individuais foi, e continua sendo, uma clara alternativa aos modelos metodológicos hegemônicos na segunda metade do século passado. Efetivamente, como nos ensina Revel, não há hiato entre história local e global. Tampouco, como afirma Trivelatto, trata-se de hierarquizar as duas dimensões em círculos concêntricos que se ampliam do menor para o maior. A proposta sintetizada pela historiadora italiana argumenta em favor da redução da escala como um caminho metodológico para conectar micro e macro histórias, pelas próprias relações estabelecidas pelos indivíduos. A análise da dimensão do vivido permite, portanto, acessar o nível das mudanças estruturais, da mesma maneira que trajetórias particulares são, por vezes, capazes de personificar valores, ideias e instituições em transformação. Nesse sentido, nos interessam as múltiplas relações entre indivíduos e estruturas, e, em particular, as estabelecidas entre os membros da classe senhorial do Império do Brasil e o processo de reerguimento da escravidão no Oitocentos, definido por Dale Tomich como “segunda escravidão”. Nesse particular, um problema nada original de pesquisa nos inquietou: a relação de compatibilidade entre as ideias e práticas liberais, e o fortalecimento da escravidão no Brasil do século XIX. Para nós, a questão se colocou pela presença, na memória pública e na historiografia, de Joaquim Breves, um dos maiores – se não o maior – senhor de escravos do Império do Brasil na segunda metade do Oitocentos. O que motivara aquele homem, a partir de meados dos anos de 1860 – quando a escravidão era instituição moribunda no plano internacional e parecia condenada no Império –, a continuar investindo em um complexo de fa-
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