251 Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível pouco entre si. Apesar de usarem ferramentas conceituais distintas, há a convicção comum na capacidade de reconstruir o passado através da leitura intensa dos documentos e no potencial reflexivo das singularidades dos casos abordados. A aproximação com a noção de descrição densa da Antropologia Interpretativa de Clifford Geertz é evidente. Contudo, apesar da influência, os micro-historiadores fizeram várias críticas que atentavam para o perigo do relativismo histórico, no qual o passado seria explicado a partir da compreensão dos próprios atores, sem o cotejo com outros grupos e instituições sociais. 9 Fazendo um balanço da Micro-História, mais de uma década depois do seu surgimento, Giovanni Levi reafirmou a importância da relação entre estrutura e experiência, buscando também pensar suas fronteiras. Partindo da investigação dos atores sociais, afirma que o historiador deve buscar uma descrição realística do comportamento humano que reconheça a relativa liberdade dos sujeitos, mas também as limitações dos sistemas normativos prescritos e opressivos. Desta forma, para o autor: toda ação social é vista como resultado de negociação, manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma realidade normativa que, embora difusa, não obstante oferece muitas interpretações diferentes e liberdades pessoais. A questão é, portanto, como definir as margens - por mais estreitas que possam ser - da liberdade garantida a um indivíduo pelas brechas e contradições dos sistemas normativos que os governam. Em outras palavras, uma investigação da extensão e da natureza da vontade livre dentro da estrutura geral da sociedade humana. Neste tipo de investigação, o historiador não está simplesmente preocupado com a interpretação dos significados, mas antes em definir as ambiguidades do mundo simbólico, a pluralidade das possíveis interpretações desse mundo e a luta que ocorre em torno dos recursos simbólicos e também dos recursos materiais (Levi, 1992, p. 135). 9 Giovanni Levi coloca duas principais diferenças entre as prerrogativas defendidas por Geertz e pelos micro-historiadores: “1 – a antropologia interpretativa enxerga um significado homogêneo nos sinais e símbolos públicos, enquanto a micro-história busca defini-los e medi-los com referência à multiplicidade de representações sociais que eles produzem; 2 – a micro-história não rejeitou a consideração de diferenciação social da mesma maneira que a antropologia interpretativa, mas a considera essencial para se ter uma interpretação tão formal quanto possível das ações, do comportamento, das estruturas, dos papéis e dos relacionamentos sociais” . (Vainfas, 2002, p. 124-125).
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