A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

250 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Sua análise, muito inspirada no estudo de Mikhail Bakthin sobre François Rabelais, apontou a circularidade de elementos, crenças e noções da cultura popular e da cultura erudita, esta última definida como letrada e das classes dominantes. Ao final, o que Ginzburg demonstrou, através do caso Menocchio, foi como se davam os conflitos e as relações de classe no plano cultural na Itália da Inquisição. Enquanto Ginzburg enfatizou o cultural, Giovani Levi enfocou o social. Em A herança imaterial , o historiador parte da biografia de um curandeiro e exorcista do baixo clero de Santena, o padre Giovan Battista Chiesa, para investigar o mercado de terras, as relações políticas e de poder daquela comunidade no Piemonte, do século XVII (Levi, 2000; Oliveira, 2017). Faz uma prosopografia da pequena cidade com milhares de ocorrências nominativas, verticaliza algumas famílias que enriqueceram, estuda a reciprocidade e o comércio de terras, atentando para o entrelaçamento entre riqueza e prestígio. De fundo, havia uma questão maior: compreender as transformações sociais que destruíram o sistema feudal no Piemonte. Todavia, não lhe escaparam as estratégias individuais e coletivas usadas para agir e reagir aos sistemas normativos e às estruturas sociais vigentes. Sua proposta não deixava de pensar a economia moral das classes populares numa clara alusão ao trabalho de Thompson, 8 nem de refletir sobre a vida material e cultural daquela localidade. Em ambos os autores mencionados, bem como em muitos escritos de Micro-História, há a preocupação essencial com a narrativa empreendida pelo historiador. A proposta é compartilhar com o leitor as lacunas documentais, as escolhas teóricas e as formulações de hipóteses, ao longo do texto. Todavia, esta ênfase na narrativa em nada se confunde com a renúncia à veracidade dos fatos ou a diminuição das fronteiras entre fato e ficção, história e literatura, como reivindicado pelos defensores da virada linguística (Levi, 1991, p. 152-153; Ginzburg, 2010). Sobre as transformações e a recepção da Micro-História no debate historiográfico, Henrique Espada Lima (2006) atenta para duas principais correntes - a social , que opera com as redes de sociabilidade, como fazem Levi e Grendi, e a cultural, cuja ênfase se coloca no universo mental conforme trabalhado por Ginzburg -, que, na verdade, diferem muito 8 Juntamente com os artigos da revistaQuaderni Storici, foi importante para o aprofundamento dos debates sobre Micro-História a coleçãoMicrostorie, editada pela Einaudi a partir de 1981, e dirigida por Carlo Ginzburg e Giovanni Levi. Entre os quinze primeiros números lançados estavam: Sociedade patrícia e sociedade plebeia, de E. P. Thompson (com textos que mais tarde seriam reunidos no livro Costumes em Comum), O retorno de Martin Guerre , de Natalie Zemon Davies, A herança imaterial , de Giovanni Levi eBiografia de uma cidade: história e narrativa: Terni, 1830-1885 , de Alessandro Portelli.

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