249 Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível normativos que as governam (Levi, 1991). Aqui, a discrepância tem valor explanatório, deve ser investigada e não desprezada. Assim, é importante não sacrificar de início o conhecimento dos elementos individuais a uma generalização mais ampla, pois servem para revelar as brechas dos fenômenos mais gerais (Levi, 1991, p. 158). Para a microanálise, a variação entre as escalas de observação é uma ferramenta-chave do novo método proposto: “o olhar aproximado nos permite captar algo que escapa da visão de conjunto, e vice-versa” (Ginzburg, 2006, p. 267). Fenômenos maciços, que estamos habituados a pensar em termos globais, como o crescimento do Estado, a formação da sociedade industrial e, no caso deste artigo, a própria segunda escravidão, podem ser lidos de maneiras completamente diferentes, se tentarmos apreendê-los por intermédio das estratégias individuais, das trajetórias biográficas ou das comunidades locais (Revel, 1998). A experiência dos sujeitos históricos dá acesso às lógicas sociais, econômicas e simbólicas, constituindo lógicas de família, grupo e classe ou configurações muito maiores, e que, portanto, permitem uma análise mais geral. Mas, esta lógica mais abrangente é o ponto de chegada, e não o ponto de partida da reflexão proposta pela Micro-História. No entanto, a dimensão micro não goza de nenhum princípio valorativo ou privilégio em relação à macro. É a variação de escala que enriquece a interpretação (Revel, 1998, p. 12-13). Cada ator histórico participa, de maneira próxima ou distante, de processos – e portanto se insere em contextos – de dimensões e de níveis variáveis, do mais local ao mais global. Não existe portanto hiato, menos ainda oposição, entre história local e história global. O que a experiência de um indivíduo, de um grupo, de um espaço permite perceber é uma modulação particular da história global. Particular e original, pois o que o ponto de vista micro-histórico oferece à observação não é uma versão atenuada, ou parcial, ou mutilada, de realidades macrossociais: é (...) uma versão diferente. (Revel, 1998, p. 28) Para melhor referendar o que apresento, cito duas pesquisas de micro-historiadores que tiveram grande circulação e influência no Brasil, a partir das décadas de 1990 e 2000, respectivamente. Em O Queijo e os Vermes (1976), Ginzburg explorou o caso do moleiro Menocchio para estudar a cultura camponesa na Itália da Era Moderna, definindo-a como “um conjunto de atitudes, crenças, códigos de comportamento próprios das classes subalternas em certo período histórico” (Revel, 1998, p. 32).
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