A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

248 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica ção de uma história vista de baixo (em forte diálogo com a antropologia cultural e as propostas do historiador inglês Edward P. Thompson), a centralidade da experiência dos atores para análise do social (Lima, 2006; Ginzburg, 1991) e a inclusão de novos grupos (mulheres, judeus, camponeses, proletários) na investigação histórica. Dessa forma, reforçavam a importância da lente microscópica e da redução da escala de observação para a reconstituição do vivido, sem abrir mão das estruturas nas quais os sujeitos históricos se articulam. Em suas palavras: “para além delas [as experiências individuais diversificadas] é possível atingir aquele nível mais profundo, invisível, que é constituído pelas regras do jogo, a história que os homens não sabem que fazem”, lição dada por Marx e Freud (Ginzburg, 1989, p. 177). Tal esforço, como o próprio título do artigo confirma, era um convite ao método da microanálise, ao uso dos arquivos italianos (abundantes em fontes seriais com forte potencial qualitativo) e à implementação de uma agenda de pesquisa, que buscasse marcar uma posição política na historiografia italiana e no campo da História Social dos anos 1970/80 (Revel, 1998). A Micro-História não nega nem se desinteressa pela estrutura ou a escala macro, como criticam alguns. Apenas, não as considera o ponto de partida da investigação histórica. Parte de um problema geral. Entretanto, acredita que a análise do individual, através da lente microscópica, da descrição etnográfica do comportamento humano, leve ao conhecimento dos desvios e das liberdades dos sujeitos no interior dos sistemas prescritos, ou seja, dentro da própria estrutura. Tais procedimentos buscam conhecer as estruturas em todos os seus aspectos e não somente nos aspectos hegemônicos. A proposição é uma inversão da lógica anterior. 7 Ao invés de buscar a homogeneidade, a repetição de padrões, e descartar as heterogeneidades das análises, parte-se das brechas, das irregularidades e das contradições para se pensar os sistemas uma série de teias de malha fina, dão ao observador a imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está inserido”. (1989, p. 174-175). 7 Segundo Guinzburg, selecionar como objeto de conhecimento apenas o que é representativo e, por isso, passível de serialização, significa pagar um preço, em termos cognitivos, muito alto. Nem todas as temporalidades e temáticas históricas possuem documentação abundante para fazê-lo. Além do que, “em qualquer sociedade a documentação é intrinsicamente distorcida, uma vez que as condições de acesso à sua produção estão ligadas a uma situação de poder e, portanto, de desequilíbrio. Por outro lado, anula as particularidades da documentação existente em benefício do que é homogêneo e comparável”. Para ele, o conhecimento histórico científico implica na construção de séries documentais, mas até o documento mais anômalo pode ser inserido e analisado para lançar luz sobre uma série mais ampla. (2006, p. 262-263)

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