242 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica costumeiros, as resistências, as negociações, conflitos e concessões, bem como a ampliação de temas (escravidão urbana, mercado interno, alforria, família escrava, revoltas, tráfico interno e externo, dentre outros), ocorridos a partir dos anos de 1980, são reconhecidos como de grande importância para o conhecimento da sociedade escravista e do Império brasileiro. 1 No entanto, também são apontados como responsáveis por um “desvirtuamento” da perspectiva macro em benefício da micro, o que teria trazido a perda da análise relacional entre os indivíduos e as estruturas socioeconômicas. 2 Por esta ótica, o conceito de segunda escravidão, para além de seus ganhos interpretativos, também seria uma forma de resgatar o debate macro, a perspectiva da longa duração, o estudo das estruturas, do capitalismo e da escravidão no Brasil e no mundo. Deste ponto em diante, vou defender que considero possível pensar o conceito de segunda escravidão e operar com a metodologia da microanálise, desde que se busque entrecortar as diversas temporalidades e se jogue com as múltiplas escalas do objeto em análise com o objetivo de se refletir sobre os processos históricos mais amplos. Assim, acredito ser possível captar as relações entre estrutura e experiência, entre constrições estruturais e singularidades individuais, entre temporalidades lentas e ações cotidianas. Isso porque são os sujeitos que fazem a História, mas sempre dentro de condições limitadas por estruturas mentais, políticas, econômicas e sociais, cujo peso não pode ser descartado (Costa, 2013). Tal postura ajuda a responder questões que ainda estão em aberto e merecem mais pesquisas por parte de nós, historiadores da segunda escravidão no Brasil, tais como: o que efetivamente a segunda escravidão trouxe de mudança no cotidiano dos escravos? Como esta nova configuração alterou as formas de trabalho escravo no universo micro e nas diferentes zonas escravistas do mundo atlântico? Em que medida a segunda escravidão transformou as relações senhores-escravos em seus diversos tempos e espaços? Como as relações entre escravidão e capitalismo se efetivaram nas diferentes áreas, regiões, comunidades e localidades ao longo do tempo? No Vale do Paraíba 1 Este debate pode ser acompanhado através dos seguintes textos: Machado (1987); Lara (1988); Chalhoub (1990); Slenes (1995); Lara (1995); Marquese (2008, 2013); Marquese; Salles (2016). 2 A referência mais direta aqui é o livroVisões da Liberdade , de Sidney Chalhoub, que analisa casos de ações de liberdade movidas por escravos e intermediada por livres como forma de luta por direitos na justiça. A crítica recai sobre um protagonismo insuspeito dos cativos na condução de suas lutas contra os senhores, tratando-se de uma análise dos atores sociais na qual a sociedade escravista mais geral, em seu momento de crise, não teria sido considerada. Sobre esse debate, consultar: Salles; Marquese (2016, p. 117-118). De uma forma mais geral, a mesma critica aparece em Tomich (2018).
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