234 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica realização do conhecimento social, as duas outras, que interessam mais diretamente a esta discussão, disseram respeito às possibilidades de desmembrar a razão analítica da dialética e às práticas de uma história total. Lévi-Strauss acusou a Crítica da razão dialética de ser essencialmente constituída pela razão analítica: ao longo do texto, comentou o antropólogo, Sartre define, distingue, classifica e opõe , em um exercício de descrédito da razão analítica que, em sua efetivação, alcança os mesmos resultados que os obtidos pela razão dialética (Lévi-Strauss, 2012). A segunda crítica que cá importa deu-se mais pelo conteúdo do que pela forma. Ainda que se pretendendo à universalidade, quis Lévi-Strauss, a história não seria mais do que a justaposição de algumas histórias locais, dentro das quais (e entre as quais) os vazios são muito mais numerosos do que os espaços cheios. Seria vão acreditar que multiplicando os colaboradores e intensificando as pesquisas obter-se-ia um resultado melhor: pelo fato de a história aspirar à significação, ela está condenada a escolher regiões, épocas, grupos de homens e indivíduos dentro desses grupos e a fazê-los surgir como figuras descontínuos, num contínuo suficientemente bom para servir de pano de fundo (Lévi-Strauss, 2012). Sartre não respondeu verdadeiramente em duas rápidas entrevistas, nas edições das revistas L’Arc e Situations IX de 1966, que concedeu sobre as críticas de Lévi-Strauss, o que este assumiu como um dar de ombros daquele, supostamente incompreendido (Eribon; Lévi-Strauss, 1988). Seja como for, os comentários de Lévi-Strauss, tidos do ponto de vista historiográfico, são oportunos para o que nos interessa, sobretudo quando investigados à luz da dialética. Definir, distinguir, classificar e opor não são procedimentos forçosamente contrários a uma historiografia movida pela razão dialética, desde que as preconcepções do fenômeno histórico estudado se modifiquem pelo movimento regressivo- -progressivo – que se torna, por sua vez, uma práxis historiográfica, pois internaliza e externaliza por contradição o que acumula e ultrapassa no tempo historiográfico. No fundo – e Lévi-Strauss o destaca –, a oposição entre razões analítica e dialética não é absoluta, porque as formas não são puras, nem no ato histórico, nem no historiográfico. Relacionam-se dialeticamente, poderia dizer Sartre. A segunda crítica é a que mais responde ao propósito desta síntese. A defesa implícita que Lévi-Strauss fez da antropologia mostrou-se
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