229 Benefícios e limites da Segunda Escravidão como método para uma razão dialética ção e produção – e isso também por intermédio do trabalho servil –, as vias de poder tiveram forçosamente direção capitalista em uma ordem pública progressivamente organizada no mesmo sentido, para usar uma expressão que denota, quiçá mais historicamente, a formação estatal do modo de produção capitalista. Quando personificadas, no entanto, as relações sociais oriundas das formas como circula o capital produzem um resultado largamente mais conflitivo, porque cindem as sociedades em classes. Quanto a isso, o conceito de segunda escravidãofornece um instrumental metodológico mais preocupado com os efeitos da interiorização – e aqui o sentido não é o das fronteiras estatais – da escravatura atlântica nas formações sociais pela qual trafegou, do que os de sua exteriorização, por intermédio de classes e Estados. Não à toa, a dimensão prático-inerte, para voltar a Sartre, das sociedades escravistas tem amplamente mais ressonância no conceito de Dale Tomich do que a práxis, o momento de luta – o projeto, nas palavras de Sartre. As reacomodações produtivas, desigual e combinadamente desenvolvidas em escala global, compõem, não resta dúvida, as matrizes sociais que atingem direta ou indiretamente, mas não passam incólumes pela práxis dos blocos históricos nacionais, na expressão de Antonio Gramsci. 2 Isso, sobremaneira, porque essas reacomodações se atualizam, justamente, pelas contradições que as classes sociais se interpõem com vistas à realização de seus respectivos projetos no espaço que melhor franqueia suas concretizações – a ordem estatal. Os limites do conceito: a classe e o Estado Obstinadamente escrita contra a razão analítica, aCrítica da razão dialética – um título provavelmente arrolado em contraposição à obra de Immanuel Kant – tem como método filosófico, antes do que historiográfico, a negação do recuo reflexivo para fundar a apreensão do real. Não há, suscintamente, a possibilidade de bipartir razão e realidade, porque o ato pelo qual a razão identifica a inteligibilidade do real é constitutivo e coetâneo da própria realidade. Mais perto do que interessa diretamente a este comentário, o processo histórico, na acepção de Sartre, não é apreensível pela aplicação de um princípio pelo qual se tornaria refletido, mas pela realização do princípio na própria manifestação histórica – o 2 Para oportuna discussão sobre o conceito de bloco histórico, anteriormente definido por Ricardo Salles, ver Hugues Portelli (1977).
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