228 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica ples momento, uma fase de transição da produção, a mera realização do produto produzido como mercadoria e a reposição de seus elementos de produção produzidos como mercadoria (Marx, 2017). Embora esquemática, a fórmula assume o advento do capitalismo consoante dois momentos críticos: a formação do capital por intermédio, primeiro, das esferas de produção medidas pela circulação e, depois, via a absorção da circulação na própria produção – o que, em última análise, sugere uma questão de volume e um sentido de celeridade. Dito de outro modo, caracterizaria o capitalismo as desiguais porém combinadas dimensões e velocidades com as quais – em mútua correspondência entre produção e circulação e sempre em uma lógica de maximização de lucro – bens, serviços e ideais se transformam em capital após cada etapa de término e recomeço dos ciclos produtivo e monetário, em uma dinâmica que, para completar-se, acomoda instituições a seu proveito: a propriedade, o trabalho e o mercado. Na história, identificar o momento de transição é singularmente mais problemático, porque, sob pena de essencializar o processo, o capitalismo não poderia encontrar-se na mera quantificação do produto circulado ou de sua absorção no processo produtivo – e tampouco do volume ou da velocidade que perfaz a associação entre circulação e produção. Uma alternativa, vislumbrável no texto de Guimarães, é ponderar o sentido da obtenção de poder da qual fala mais explicitamente Kelmer Mathias. A primeira vantagem do procedimento está em evitar o desmembramento entre a economia e a política, apenas analiticamente tratáveis como esferas de existência desassociadas, e perceber quão fulcral foi a ação do Estado no processo de absorção da circulação na própria produção. De maneira correlata, a segunda vantagem diz respeito à personificação das relações que compõem as formas de produção social e, naturalmente, sua incidência na condução do Estado. Considerando os efeitos do cativeiro na multiplicação dos circuitos mercantis, Kelmer Mathias expressa “o efetivo exercício de poder” de que as forças produtivas amparadas no trabalho escravo dispunham, “tendo em conta que vários deles ocupa[vam] cargos cimeiros em campos administrativos, econômicos e políticos, cargos esses que lhes viabilizavam influenciar até mesma a política (mercantilista) dos grandes Estados modernos”. Em uma extensão possível do argumento, se essa influência correspondeu, como parece ter sido o caso na segunda metade do século XVIII, à dinamização dos processos de transformação do produto em mercadoria nos quadros de franca associação entre circula-
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