226 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Na trama dessas condições, vislumbradas como oportunidades de negócio, Guimarães assinala a formação de sociedades para o trato negreiro levada a cabo pelos irmãos Gulston. Não apenas devido ao florescimento da economia mineira, em termos locais, mas também às ramificações comerciais e financeiras, em dimensão global, que a mão de obra cativa franqueava, o trato foi percebido pelos irmãos Gulston, consoante sugere Guimarães, como o elo lucrativo de suas atividades comerciais. O tempo prestava-se para tanto. Kelmer Mathias recomenda, acertadamente inclusive na perspectiva metodológica da segunda sscravidão, uma concatenação direta ou indireta do cativeiro com os produtos manufaturados empregados para o resgate de escravos na costa africana [...], os engenhosos instrumentos de crédito direcionados para a implementação ou reiteração do sistema escravista, [...] as relações sociais [...] quer atinentes à produção de mercadorias em si, quer no que respeita àquelas firmadas entre senhores e escravos com vistas à manutenção da [...] governabilidade [...] do sistema em si, [...] os vultosos retornos provenientes do tráfico [...], os conflitos diplomáticos envolvendo o monopólio do tráfico, [...]” ou, ainda, “com todas as externalidades” – que, na proposta dialética, poderiam ser externalizações – “próprias à escravidão”. Segundo ele, “a correlação escravismo e mercantilismo” seria “a condição de base para a consolidação do sistema econômico mundial no século XVIII”, conjeturando-se, a crer na densidade dos “circuitos mercantis caudatários do emprego de mão de obra cativa”, uma concorrência direta do cativeiro para a “otimização do fim último da política econômica mercantilista, a saber, a obtenção de poder”. Um dos méritos da proposta, que igualmente é aquele da segunda escravidão, está na percepção da desigualdade, entre sociedades ou no seio de cada uma, como decorrência de uma forma combinada de integração. O ponto de partida de Leon Trotsky, embora ancorado naHistória da Revolução Russa , consistiu em uma observação empírica da multiplicidade fatorial que caracterizaria o desenvolvimento econômico – e humano: o tamanho demográfico das sociedades, a organização política, a produtividade material e sua cultura imaterial. Às descrições meramente quantitativas – as sociedades são efetivamente múltiplas – ou qualitativas – a multiplicidade incorre em diferenças –, Trotsky sobrepôs, a partir da interação dialética entre sociedades, os efeitos recíprocos da multiplicidade social sobre as diferenças sociais. Em outros termos, a di-
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