A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

224 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Antes disso, a segunda escravidão tem em seu cerne a relação dialética que ajusta forças políticas e econômicas dentro de uma unidade, cujas contradições, agora menos aparentes porque não regredidas a partir de uma essência, relatam sua formação e sua deformação. É a partir da razão dialética, pois, que interessará compreender os benefícios e os limites da segunda escravidão, para um tempo no qual, a priori, não poderia valer. Quando não reificado, tampouco em sua aparente contradição distintiva, o conceito sugere como método enxergar a adaptabilidade dos fatores a um modo de produção que se faz e refaz, justamente, na relação social historicamente cambiante entre terra, trabalho e mercado (Tomich, 2016). O próprio epíteto segunda insinua a reacomodação, espacial e temporal, do cativeiro em uma nova forma, porém igualmente contemporânea, de circulação de capital. Assumi-lo como manifestação não contemporânea da contemporaneidade diz mais do pensamento analítico do que do dialético1 , demovendo-o, quiçá, do principal benefício do conceito de segunda escravidão como método: compreender, em escala global, os ajustes político-econômicos decorrentes da liberdade – e não da arbitrariedade – com que se move o capital. Quanto a isso, na historiografia brasileira, têm sido particularmente notórias, embora não exclusivamente, as contribuições de Alain El Youssef, Leonardo Marques, Rafael Marquese, Tâmis Parron e Waldomiro Lourenço da Silva Júnior, direta ou indiretamente referenciados nesta coletânea. Pelo lado dos limites, a proposta de Tomich, porque não colapsa em momento algum a distinção entre o objeto de observação e a unidade de análise – digamos, a escravidão no sistema-mundo atlântico Oitocentista –, implode as relações formativas de sua unidade de análise, subsumindo-as pelo prisma das configurações e reconfigurações de seu objeto de observação. O resultado informa, então, a reativação do trabalho servil em um sistema-mundo capitalista no qual contradições estatais inter e intrapostas – em última instância, o que lhe dão solda – esmorecem em proveito dos efeitos globais gerados pelo trânsito do objeto de observação. Nisso, parece-me que guardo proximidade com o que foi previamente exposto por Ricardo Salles. Do ponto de vista historiográfico, para passar aos comentários sobre os textos de Carlos Gabriel Guimarães e de Kelmer Mathias, o que se ganha com o conceito de Tomich é do tamanho do que se pode perder. A dialética invertida de 1960 a 1990, a partir da qual Emília Viotti da Costa ponderou a passagem polarizada dos mecanicismos e reducionis1 A referência é a fórmula contemporaneidade do não-contemporâneo , de Reinhart Koselleck (2006).

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz