A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

217 O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista instrumento de expansão da produção de mercadorias e de criação de um mercado mundial. Sob o risco de soar rasteiro, porém com vistas a melhor me fazer entender, parto da argumentação mais simplória. Todo circuito mercantil implicava na movimentação de mercadorias, grosso modo e no que toca à presente proposta, produzidas a partir da mão de obra escrava. A expansão da produção das mercadorias nas áreas escravistas favorecia a formação do sistema mundial. Concomitante a tal estabelecimento, os Estados modernos se engalfinharam no controle desses mesmos circuitos mercantis, por vezes através da via bélica (urge salientar o corriqueiro emprego dos escravos armados nessas mesmas disputas!). Em tempo, tais contendas acabavam por fomentar, direta ou indiretamente, aqueles circuitos. Quer isto dizer que a busca por poder no sistema mercantilista e as premissas enunciadas por Tomich na citação ora discutida interagem de forma orgânica, sendo que uma não apenas complementa a outra, mas, em verdade, devem ser pensadas juntas. Acrescentando que o desfecho desse processo histórico criou as condições necessárias para o advento do sistema capitalista no século XIX, e que um dos pontos centrais desse sistema era o alçamento da forma de trabalho capital-salário como principal relação de produção, temos que a escravidão, via sistema mercantilista, atuou diretamente na criação (no decurso da época moderna) das condições históricas favoráveis ao posterior implemento (a partir do século XIX) do sistema capitalista de produção. Não deve causar espécie, pois, que, por algum tempo, escravidão e capitalismo tenham coexistido sem que isso encerrasse qualquer tipo de contradição em termos de sistema mundial. Observando alguns pontos positivos do modelo analítico, Tomich destaca que ele permite “conceituar terra, trabalho e capital (mercado) como relações históricas substantivas e examinar a maneira como esses elementos são interdependentes e mutuamente formativos entre si dentro da divisão do trabalho da economia-mundo” (Tomich, 2016, p. 85). Nada contra. Porém, advogo ser possível afunilar esse instrumental caso, novamente, trabalhemos com o viés mercantilista de busca por poder. “Terra, trabalho, capital (mercado) como relações históricas substantivas”. Pois bem, por que não inserirmos nessa equação o caráter humano atinente a tais fatores? Independentes da orientação religiosa vigente nas sociedades escravistas americanas, a escravidão reificava “terra, trabalho e capital (mercado)” em relações de poder. Possuir terras, escravos e fazenda transfigurava o indivíduo em alguém de melhor qualidade, o alçava à posição de efetivo exercício do poder. Tendo em conta que vários deles ocupam cargos cimeiros em campos administrativos, econômicos,

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