A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

216 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica tação do sistema econômico observável a partir do século XIX, então, isso é apenas um termo enganador para se referir à História Econômica Europeia desde o final da Idade Média até o presente (Heckscher, 1936, p. 45). 9 Isto posto, e atinente ao propósito do corrente estudo, estou de acordo com a segunda citação, subtraindo “capitalismo” da sentença. Não quer isto dizer que podemos simplesmente substituir capitalismo por mercantilismo – até porque esse último é um termo insidioso. Economia substantiva, nos termos de Karl Polanyi, talvez se coadune melhor com as facetas do sistema mercantilista. Sobre a terceira citação, nada tenho a discordar. Em boa medida, entendo que as implicações passíveis de serem desenvolvidas na argumentação em questão consubstanciam a tentativa de compreender as relações sociais de produção escravista no seio das considerações arroladas no item anterior do corrente capítulo, até porque não devemos isolar as regiões escravistas do mercado mundial e do capital mundial (Tomich, 2004, p. 11). Partamos, pois, de duas premissas; a saber: a) o objetivo central do mercantilismo é a busca por poder se valendo, para tanto, de circuitos mercantis fortes e militarmente protegidos e b) a escravidão era o principal 9 Neste ponto, creio que o diálogo com Blackburn se impõe. Para o autor, a primeira escravidão, compreendida entre 1520 e 1800, “se desenvolveu em um mundo feudal tardio, pré-moderno, quando o capitalismo ainda estava em sua infância”. Em sua perspectiva, “a difusão das relações sociais capitalistas nos séculos XVI e XVII pôs o dinheiro em novas mãos e incentivou formas de existências cada vez mais dependentes do mercado. Muitas pessoas já começaram a esperar que suas necessidades básicas fossem atendidas pelo dinheiro que ganhavam, e não pelo que produziam”. O modo oblíquo pelo qual enxergo a questão me força a questionar, por exemplo, como mensurar a porcentagem frente à população das “muitas pessoas” cada vez mais dependentes do quanto ganhavam, Não posso deixar de entender que o autor toma o todo pela parte. Seja como for, para Blackburn, a primeira escravidão e a segunda guardaram entre si, dentre outras semelhanças, o fato de que “eram dependentes da chamada ‘economia natural’’’. Dito de outro modo, os escravos eram incentivados a “suprir sua própria necessidade de comida”, sendo que a família escrava buscava assegurar a posse de animais e/ou terras – às vezes concedida pelos senhores. Percebe a primeira escravidão permeada pela luta de classes entre escravos e senhores no âmbito da “economia natural”, perspectiva da qual me afasto. Seja como for, é sugestivo o fato de o autor, mesmo que não explicitamente, acabar por analisar a primeira escravidão sob o aparato da perspectiva mercantilista. A título de exemplo: “Os comerciantes europeus, ao longo de todo o período moderno, pagavam pelos escravos a mercadores e governantes africanos. Os plantadores do Novo Mundo compravam muitos outros insumos dos mercadores coloniais e desejavam vender artigos tropicais e subtropicais, produzidos por escravos, nos mercados europeus. Na época colonial, a ‘primeira escravidão’ foi organizada em monopólios mercantis, de tal maneira que os colonos ingleses, franceses e portugueses se viam obrigados a vender seus produtos exclusivamente a transportadores nacionais. Muitos colonos europeus começavam a vida como imigrantes independentes que não aceitavam o controle colonial, mas logo se viam obrigados a aceitar a autoridade da metrópole, uma vez que as potências coloniais controlavam as rotas marítimas e os portos. Esses sistemas coloniais eram beligerantes e competitivos, com um histórico tempestuoso de guerras e uma ressaca de concorrência comercial” (Blackburn, 2016, p. 14-18).

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