A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

215 O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista última instância, do próprio sistema econômico mundial, de cujo povir o capitalismo é resultante. 8 Diálogos com Tomich “A escravidão nas Américas foi o produto histórico da expansão da economia mundial europeia”. Nesses termos, para se compreender o caráter sócio-histórico da expansão da escravidão não é possível deixar de abordar “o problema de conceptualizar a relação entre o mercado e a produção dentro da trajetória histórica da economia mundial capitalista”. Em adição, “historicamente, a escravidão foi a principal forma de expansão da produção de mercadorias, de criação de um mercado mundial e de fornecimento das condições substantivas para o desenvolvimento da forma de trabalho capital-salário” (Tomich, 2004, p. 3; 23). No que respeita à primeira citação, ressalvo apenas que a escravidão nas Américas foi tambémo produto histórico da expansão da economia europeia. Não tenho o menor interesse em adentrar na descomunal bibliografia acerca do tema. Contudo, não me sinto confortável em limitar a implementação do sistema escravista na América às condicionantes de ordem econômica. Apenas para citar um contraponto, não podemos prescindir de elencarmos fatores de ordem cultural, religiosos ou mesmo étnicos. Avançando para a segunda citação, outrossim ressalvo a importância de não tratarmos como capitalista os períodos que antecederam a efetiva implementação desse sistema. Assim como uma crisálida só se torna uma borboleta quando finda seu período de incubação, o sistema econômico mundial apenas refletirá a lógica capitalista no século XIX. Não é porque podemos identificar determinadas características ancilares de ordem mercantil e/ou financeiras nos séculos precedentes, e que se tornarão basilares no século XIX, que podemos classificá-las como capitalistas. Por oportuno, vale trazer à baila a percepção de Eli Heckscher sobre o tema. Para o autor, se a premissa de “capitalismo moderno” estiver vinculada à noção de capital, então, isso nada tem a ver com o mercantilismo. Por outro lado, se “capitalismo moderno” for uma expressão relativa à vida econômica que pavimentou o caminho para a implemen8 Como argumento cautelar, sou forçado a explanar que as relações sociais de produção escravista eram extremamente complexas, fruto das constantes negociações entre senhores e escravos, e estavam imersas na lógica de funcionamento das sociedades em suas diversas facetas: cultural, social, religiosa, política, econômica etc.

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