214 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Do posto, os interesses econômicos deveriam ser sustentados pelo emprego militar que, por seu turno, dependia de uma fazenda robusta e próspera. Tudo isso com o escopo último de os Estados se fazerem poderosos. Não deve causar espécie, pois, o fato de esses Estados não terem hesitado em se valer da violência, e mesmo de guerras, com o intuito de proteger e promover seus comércios. Segundo o autor: “a conexão entre guerra e economia, ou, de forma mais ampla, entre poder e lucro”, foi amplamente difundida e debatida na época moderna, sendo que “a maioria das pessoas tendia a endossar a ideia de que violência e força eram fatos ordinários da vida, e que apenas nações fortes poderiam ter economias fortes”. Talvez o fato de que as guerras empreendidas pela Grã-Bretanha tenham sido basilares na obtenção de sua supremacia oceânica explique a constatação de que seus gastos militares e a soma de suas exportações domésticas hajam apresentado números similares (Vries, 2015, p. 311-329). Na medida em que o tráfico de escravos foi um dos mais lucrativos circuitos mercantis da época mercantilista, e que várias disputas diplomáticas e bélicas gravitaram, quer ao redor do direito de exercê-lo, quer da conquista de territórios cuja principal mão de obra era a escrava africana, creio não afigurar desarrazoado aventar a hipótese segundo a qual a escravidão, pelo menos no que tange ao tráfico de escravos, concorreu diretamente para a otimização do fim último da política econômica mercantilista; a saber: a obtenção de poder. Sendo verossímil a referida conjectura, podemos avançar um pouco mais na argumentação e expandi-la para todos os circuitos mercantis cujas mercadorias eram caudatárias do emprego da mão de obra africana. Escusado aduzir que boa parte das regiões componentes da América setecentista se valia do braço africano como força produtiva. Quiçá eu esteja flertando com a ousadia caso insira nessa proposição todas as mercadorias utilizadas para o resgate de escravos na própria África. O corolário se prefigura inquietante, pois, basicamente, a otimização do sistema mercantilista era profundamente devedora do emprego da escravidão africana como força produtiva. A nível macro, o poder dos estados modernos dependia do bom funcionamento da escravidão em seu sentido mais latu . Assim posto, como pensar as relações sociais de produção escravista sob ótica mercantilista? Em uma primeira aproximação, essas relações sociais simplesmente viabilizaram a reiteração temporal, não somente do próprio mercantilismo, mas dos Estados modernos, das diferentes conjunturas bélicas nas quais tais estados tomaram parte, de vários circuitos mercantis, das complexas engrenagens financeiras e administrativas e, em
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