211 O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista cionais modernos por intermédio do rompimento das amarras medievais e do recrudescimento do poder estatal, teríamos, pois, o cenário ótimo para convalidar as engrenagens postas em funcionamento a partir das Grandes Navegações principiadas no século XV. 4 Antes que o leitor teça considerações restritivas à minha argumentação, não estou afirmando que as viagens ultramarinas foram um desdobramento direto da política mercantilista. O ponto em tela consiste em sublinhar que, no século XVIII, uns dos períodos áureos do sistema mercantilista, os pré-requisitos basilares de seu funcionamento inexoravelmente demandaram a consolidação do sistema econômico mundial na medida em que o fortalecimento do poder estatal exigia, dentre outros pontos, governabilidade, um poder militar expressivo, um corpo mercantil forte, moeda, territórios ultramarinos, diplomacia, ou seja, uma lógica de funcionamento alinhada e pronta para interagir com as mais diversas conjunturas passíveis de serem experimentadas no período em questão. Defronte a conjuntura setecentista, talvez não seja de todo despropositado sugerir que a escravidão, direta e indiretamente, concatenava-se com todos os aspectos anteriormente arrolados. Desde os produtos manufaturados empregados para o resgate de escravos na costa africana (incluindo, nesse rol, mercadorias provenientes da América, tais como: geritiba, fumo, ouro etc.), passando pelos engenhosos instrumentos de crédito direcionados para a implementação/reiteração do sistema escravista em seu sentido mais latu , pelas relações sociais de produção escravista (quer atinente à produção de mercadorias em si, quer no que respeita às relações sociais firmadas entre senhores e escravos com vistas à manutenção da tão necessária governabilidade mantedora da estabilidade do sistema em si), 5 pelos vultosos retornos provenientes do tráfico de escravos, pela relação simbiótica entre o mesmo e as disputas de poder imanentes ao continente africano, pelas questões de contrabando em toda a bacia atlântica, pelas disputas diplomáticas envolvendo o controle não apenas de regiões escravistas, mas também o monopólio do tráfico de escravos, pelos instrumentos de poder que toda essa engrenagem depositava nas mãos de alguns dos mais destacados indivíduos em posições cimeiras na governabilidade europeia, enfim, por todas as externalidades próprias à escravidão, avento a correlação escravista e 4 Naturalmente, tratar-se-ia de um movimento de longa duração, recorte propício para a percepção das estruturas mais persistentes da história das civilizações. Acerca da longa duração, cf. Braudel, 2005, p. 41-78. 5 Refiro-me a questões como alforria, compadrio escravo, emprego dos cativos como braço armado etc.
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