210 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica o país que gozou de maior facilidade em seu processo de rompimento das amarras medievais e unificação estatal. Em contrapartida, a Holanda foi a nação menos afetada pelo mercantilismo, podendo ser considerada “antítese” desse sistema (Heckscher, 1935, passim; Heckscher, 1936, p. 45-46). Outra faceta mercantilista que me interessa discutir converge para a correlação entre trabalho assalariado e mão de obra escrava. Quanto menos por comungar com as explicações puramente econômicas para a implementação da força escrava nas Américas, mas pelo intuito de suscitar o debate, resgato a premissa a seguir. Segundo Eric Williams, até finais do século XVII, o grosso da força de trabalho nas colônias britânicas era composto por camponeses imigrantes livres ou em regime de servidão. Por esses tempos, o foco da política econômica mercantilista consistia em envidar esforços no sentido de potencializar a acumulação de metais preciosos, o chamado bulionismo . Sem embargo do posto, nesses idos, tal política econômica teria vivenciado uma alteração, passando a entronizar o desenvolvimento industrial, o crescimento do emprego e o encorajamento das exportações. Em diapasão com a política mercantilista coetânea, o caminho perfeito para reduzir custos e, logo, competir em melhores condições com os demais Estados modernos repousava no decréscimo salarial, com que então o crescimento demográfico se impunha como conditio sine qua non para o desenvolvimento nacional britânico. Segundo o autor, resulta claramente que a condição essencial da colonização (o povoamento que incorria no movimento emigratório) encerrava óbice ao projeto econômico britânico. Diante de semelhante incongruência, o governo inglês se voltou, a princípio via Companhia Real Africana, para o tráfico de escravos (Williams, 1994, p. 15-19). 3 Ao que precede, advogo que o mercantilismo serviu à consolidação não apenas do sistema econômico atlântico, mas também do sistema econômico mundial. Explico-me. Aceitando a premissa segundo a qual a política econômica mercantilista favoreceu a formação dos Estados na3 Em linha argumentativa afim à anteriormente enunciada, Robert Haywood infere que a concepção mercantilista inglesa defendia a fulcral importância do crescimento demográfico como sustentáculo para o desenvolvimento da Grã-Bretanha, proibindo-se, dessa forma, o movimento de emigração para as colônias britânicas. Pari passu à percepção segundo a qual se impunha o povoamento das conquistas ultramarinas, a adoção do trabalho escravo se avizinhou como solução ideal, dentre outros fatores, por: a) gerar lucro; b) nascida fora do império britânico, essa mão de obra adicionaria densidade demográfica aos seus domínios; c) baixo custo de manutenção (com demandas limitadas ao necessário para a sobrevivência física dos africanos); d) suposta facilidade de controle por meios coercitivos e, por fim, e) o nível de produtividade dessa mão de obra dependia única e exclusivamente da vontade de seus senhores (Haywood, 1957, p. 456-458).
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