A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

209 O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista Leitura indispensável para qualquer pesquisador do tema, Eli Hecksher entende o mercantilismo não apenas como “uma fase na história da política econômica”, mas, outrossim, um “corpo característico de ideias econômicas”. Pode-se argumentar que, em sua visão, o mercantilismo encerra uma específica construção moral e comportamental da sociedade, o que lhe faculta operacionalizar o termo com o escopo de acessar uma concepção materialista da mesma. Tal concepção responde ao anseio do Estado (sujeito e objeto da política econômica mercantilista) de promoção da “unificação” do país, rompendo, dessa forma, com a herança de segregação territorial herdada do Medievo. Dito de outra forma, o mercantilismo teria servido ao processo de formação dos Estados nacionais a partir das necessidades e características de cada país. Corolário direto dessa política, houve um fortalecimento do poder estatal. Em realidade, para o autor, o Estado teria se valido das forças econômicas com o claro objetivo de majorar sua autoridade em detrimento de seus rivais. Com que então, “tanto o trabalho de unificação, como a luta por poder foram resultados claros do mercantilismo enquanto um sistema econômico do novo estado soberano”. 2 Dadas a força da Monarquia britânica e a relevância de seu transporte marítimo, a Inglaterra teria sido esteve baseado na ideia segundo a qual, para vencer a competição ultramarina, os produtores domésticos haveriam de ser subsidiados e seus competidores, taxados. Contudo, em finais do século XVIII, tal premissa sofreu uma modificação - momento em que o triunfo sobre os competidores estaria alicerçado nos avanços tecnológicos voltados para produção. Em adição, essas seriam sociedades rentistas, donde a influência do pensamento de Adam Smith. Já na perspectiva marxista, o mercantilismo seria parte constituinte da chamada acumulação primitiva de capital . Posteriormente, os pensadores marxistas correlacionaram semelhante entendimento com o trato ultramarino favorável às potências europeias na esteira do comércio assimétrico (as colônias exportavam matéria-prima e as metrópoles produtos industriais), cujo desfecho explicaria o desenvolvimento industrial via comércio ultramarino. Lars Magnusson faz terra arrasada da historiografia acerca do tema, com honrosa exceção a Hecksher. Para o autor, o mercantilismo foi primeiro, e acima de tudo, literatura em forma de livros, manuais, tratados e periódicos acerca de uma variada sorte de assuntos, desde temas políticos controversos até práticas relativas a comércio, transporte, manufaturas domésticas, imigração de trabalhadores habilidosos, taxas de juros, enriquecimento, poder estatal etc. De passagem, o autor prefere definir o mercantilismo em termos do que ele não foi. Ou seja, o mercantilismo não teria sido uma doutrina bem estruturada erigida em cima de princípios igualmente bem estruturados através dos quais seria possível descrever um comportamento econômico e/ou medidas políticas. Sobre os autores aqui citados, conferir a bibliografia ao final do capítulo. 2 Um dos autores mais trabalhados pela historiografia, Pierre Deyon, faz eco ao entendimento de Hecksher, segundo o qual o mercantilismo consistiu, dentre outras facetas, em uma poderosa força de unificação nacional e de obtenção de poder pelo Estado (Deyon, 2001, p. 51-53). Segundo oDictionary of Political Economy , por sistema mercantilista se entende “a política econômica da Europa desde a ruptura da organização medieval da indústria e do comércio até o domínio do sistema deLaissez-faire ”, sendo a Inglaterra o único país passível de ser estudado por todos os vieses mercantilistas (Palagrave, 1906, p. 727). Disponível em: https://archive. org/stream/cu31924052158262#page/n7/mode/2up. Acesso em: 04 jan. 2018.

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