208 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica do. Por outro lado, o emprego do termo se impõe como ancoragem ao modelo de Tomich. O objetivo do corrente capítulo consiste em esboçar uma rudimentar tentativa de retroceder ao Século da Razão, o modelo de Tomich, permutando capitalismo por mercantilismo, sob o risco de incorrer em um dos pecados capitais do historiador: o anacronismo. Pretendo identificar quais características desse modelo imanente ao século XIX podem ser aplicadas como ferramentas heurísticas de compreensão das condições históricas da reprodução das relações sociais escravistas no século XVIII, sob a égide do capcioso termo mercantilismo. Uma vez esclarecidos meus intentos, passo à tarefa em si. Diálogos com o mercantilismo A primeira vez que o termo système mercantile foi citado em uma publicação data de 1763 e teve vez pelas mãos de Mirabeau. A difusão ocorreu somente em 1776, com a publicação deA riqueza das nações , sob os cuidados de Adam Smith, para quem foram os grandes mercadores e as nascentes manufaturas, mais do que o povo, os principais beneficiados pelo dito sistema – até porque a balança comercial favorável teria sido o centro do mercantilismo, tanto como um sistema de pensamento, como em termos práticos. Desde então, todo o debate concernente ao tema gravita, por um lado, ao redor da natureza do termo (se é ou não uma política econômica, um conjunto normativo das sociedades etc.) e, por outro, ao entorno da viabilidade de empregá-lo para se compreender a relação entre riqueza e poder no decurso da chamada Idade Moderna (Magnusson, 2015, p. 15-54). No que toca aos interesses aqui esclarecidos, não cabe empreender um debate extenso a propósito da bibliografia atinente ao tema. Importa, pois, destacar alguns autores cuja visão me interessa mais de perto. 1 1 O debate acerca do mercantilismo reúne um volume colossal de interpretações. A título de exemplo, os economicistas históricos do século XIX tentaram apresentar o mercantilismo como uma escola de pensamento com o fito de promover o crescimento econômico e a modernização através do protecionismo e do nacionalismo econômico. Por seu turno, Schomoller o define como uma política econômica que promoveu a unidade nacional, cuja essência repousou não em determinada doutrina sobre dinheiro, balança comercial favorável, impostos, tarifas protecionistas ou atos de navegação (como quis Adam Smith), mas, antes, representou uma completa transformação da sociedade e de suas organizações, assim como dos estados e suas instituições, de uma economia local e territorial para um Estado nacional. Lorde Keynes, por exemplo, reduziu o mercantilismo a uma política voltada para a busca do pleno emprego. Joel Mokyr, influenciado por Smith, argumentou que, a princípio, o pensamento mercantilista
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