207 O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista As ilações aferidas com base nesses sumários e lacônicos apontamentos das ideias do autor restringem a aplicação de seu modelo ao século XIX. Afinal, estou a dialogar com um modelo analítico pensado sob as limitações de “características historicamente dadas”. E assim o é, essencialmente, porque compreendo não ser de todo prudente assumirmos os traços basilares observáveis no sistema produtivo capitalista oitocentista para os períodos que precedem a chamada Revolução Industrial. Determinados aspectos (fundamentalmente de ordem mercantil e, em menor medida, financeira), componentes do modelo capitalista, podem perfeitamente ser observáveis no Século das Luzes. Em que pese o caráter histórico desse sistema, a lógica de funcionamento das sociedades setecentistas não responde, ipsis litteris, aos preceitos do sistema capitalista de produção. A rigor, tais preceitos enterneciam-se diante do caráter substantivo da economia coeva. Outra dificuldade que me antepôs repousa no emprego do termo segunda escravidão . Outros, antes de mim, já observaram a faceta insidiosa que a palavra segunda evoca ao ser adstrita ao termo escravidão . Ora, se houve uma segunda, forçosamente tem de ter havido uma primeira! Infelizmente, não é tão simples assim. A premissa da escravidão remonta às sociedades clássicas, sendo que, usualmente, a distinção se dá no âmbito da escravidão antiga e da escravidão moderna, das sociedades com escravos e das sociedades escravistas (Finley, 1991). Tomich instrumentaliza o termo “segunda escravidão” com vistas a empreender uma diferenciação entre as relações de produção escravistas pré e pós advento da Revolução Industrial com a consequente efetiva implementação do sistema capitalista. Ciente de que minha argumentação apenas recrudescerá o viés contencioso do corrente capítulo, não posso endossar o axioma da segunda escravidão se o mesmo demanda uma primeira escravidão, pois, do contrário, teríamos que arrolar todas as idiossincrasias das sociedades escravistas no tempo e no espaço. Antes, compreendo que a ideia de segunda evoca apenas uma diferença em si, uma diferença entre dois modelos de relação de produção escravista subsumidos a dois sistemas econômicos igualmente diversos, a saber: o capitalista e o mercantilista. Com isso encerro minha justificativa precípua para o termo segunda vir em itálico no título do texto. Não por nada apenas segunda está destacado, e não todo o termo “segunda escravidão”. No referente a tal matéria, não assumo a escravidão mercantilista como primeira , mas tão somente diferente da segunda . Corolário direto: segunda está em itálico em observância ao fato de que o subtítulo poderia perfeitamente ser lido subtraindo-a de seu enuncia-
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