Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 3
Aloisio Ruscheinsky 24 Entre as duas dezenas de menções ao termo risco existem duas passa- gens em que o texto papal, de alguma forma, endossa a noção de “sociedade de risco 2 ” de Ulrich Beck (1997; 2006): a) Os riscos nem sempre se devem atribuir à própria técnica, mas à sua aplicação inadequada ou excessiva (LS, 133); b) Numa sociedade sustentável confluem ações de controle operacio- nal sobre o aparecimento de efeitos não desejados dos processos de produ- ção, e oportuna intervenção perante riscos incertos ou potenciais (LS, 177). No campo da tecnologia, a maquiagem, as alterações estéticas, os cos- méticos paradoxalmente podem ser vistos como um aperfeiçoamento da natureza; ao mesmo tempo, uma negação dos efeitos do tempo sobre a na- tureza humana. Se, de um lado, um olhar a partir da ecologia sublinhará a dimensão material constitutiva dos elementos da natureza, de outro lado há natureza sem cultura? É o que pregam os construtivistas: a natureza que visualizamos está de alguma forma (des)configurada pela ação humana. 2. Consumo A alimentação e a água, além de substância material advinda do campo ambiental ou sinergias da natureza, desempenham um papel fundamental em todas as culturas. Ao mesmo tempo em que foram razão de ser ou fo- mentar formas de confraternização, também a disputa por elas gerou guer- ras. Os dois elementos quando vistos como mediadores das relações com o divino, ou a natureza como alteridade, singela expressão de uma mística 3 e o reconhecimento do outro, tendem a gerar solidariedade (RUSCHEINSKY, 2010). Ao contrário, quanto mais os indivíduos ficam ensimesmados, afei- tos ao consumo ou utilitaristas, mais se sentirão estranhos diante da genero- sidade dos bens ambientais. O alimentar-se e o relacionamento com a água é um ato político. Isto não somente pelo fato de que importa o que e como 2 O conceito de sociedade de risco atenta para o advento de fenômenos imprevisíveis, incertos e incalculáveis quanto aos seus efeitos. Paradoxalmente também propõe a noção de modernização reflexiva para a compreensão da contemporaneidade. Existem dilemas para entender as vias pelas quais as soluções podem ser formuladas, não somente por peritos, mas múltiplos saberes. 3 A este propósito de uma mística parece importante ressaltar que não se encontra associado de imediato a uma religião institucional. Ver a propósito a breve entrevista “Eu, agnóstico, e o Papa. Nosso desafio comum pelo alimento e pelo meio ambiente”. Depoimento de Carlo Petrini (funda- dor do movimento slow food). Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/593588-eu- agnostico-e-o-papa-nosso-desafio-comum-pelo-alimento-e-pelo-meio-ambiente.
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