Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 3

Danilo R. Streck, Camila Wolpato Loureiro e Carolina Schenatto da Rosa 112 lectuais etc.) que formam a totalidade; b) a correspondência, que representa a rede de correlações entre o cósmico, o humano e o extra-humano, entre o orgânico e o inorgânico, entre a vida e a morte; c) a complementariedade, que afirma que nenhuma das dimensões ou correlações existem em si mes- mas; e d) a reciprocidade ( ayni), que é a dimensão pragmática da relaciona- lidade e da correspondência entre as forças vitais visíveis (animais, vegetais e minerais) e invisíveis (cósmicas). Saber mais sobre si e sobre o mundo significa, portanto, esse movi- mento de busca pela integralidade e pelo equilíbrio entre as diferentes forças vitais que se traduz nas quatro dimensões. Ao colocar esse imperativo ético como um regulador das práticas coletivas e individuais, o bem viver confi- gura-se como uma postura concreta de resistência ante o modelo colonial de organização política, econômica, social e cultural. É um contraponto à razão antropocêntrica que guia a modernidade. É um alargamento do “político” para além da agência do humano. Saber mais sobre si e sobre o mundo significa, também, saber de sua origem e manter viva a cultura ancestral. A fim de preservar a cultura, a his- tória e as tradições dos povos Mayas, em meados do século XVI foi escrita a coletânea de textos, conhecida como Popol Vuh. O manuscrito, escrito apenas três décadas depois da invasão do território quiche, narra a criação do mundo e da vida, tendo como princípio fundante a coletividade. De acordo com o Popol Vuh, toda criação é fruto da palavra coletiva, do diálogo e da reflexão entre deuses e deusas que “ hablaram, pues, consultando entre sí y meditando; se pusieran de acuerdo, juntaran sus palavras y su pensamiento ” (RECINOS, 1982, p. 23). Entre erros e acertos, entre muitas discussões e planejamento, teve origem a humanidade. Primeiro, os homens e mulheres feitos do barro não tinham movimento e nem força, não enxergavam e, embora conse- guissem falar, não havia entendimento; quando feitos de madeira, falavam e andavam, mas não tinham alma e nem compreensão sobre si e sobre o mundo. Foi da vida que nasceu a vida: apenas na terceira tentativa, a partir da fauna e da flora, da vida que brota da terra, que surgiu a humanidade; e é só na relação com ela que o vocábulo “homem” 6 ( K’iche’ winaq ) adquire sentido. Segundo o Popol Vuh , somos frutos de um esforço coletivo entre fauna, flora e divindades cósmicas, pois foram os animais que ajudaram os/as deuses/as a encontrar o milho utilizado na criação dos homens e mu- 6 Embora o autor utilize a palavra no masculino, seu emprego tem sentido de humanidade.

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