Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 3

Por uma Educação Ecointegradora: perspectivas decoloniais 109 to do ser humano e da história como possibilidade. Freire, em que pese as diferenças da visão do contrato social moderno de Rousseau em vista a suas limitações, concordaria com a afirmação de que ninguém seria capaz de estabelecer um “tamanho” para o que o ser humano pode ou deve ser. Por isso, a humanização também se dá em permanente tensão com o seu oposto, a desumanização. Realizamos a nossa humanização (ou desumanização) na história, através do enfrentamento de situações limites que se colocam em nosso cotidiano. Pode não existir um limite estabelecido para o ser mais freiriano, mas existe um direcionamento no processo de humanização ou, se quisermos, uma matriz a partir da qual se gera e cultiva a integralidade do humano. Paulo Freire já foi criticado pela visão demasiadamente mentalista da cons- cientização e pela sua linguagem demasiadamente afetiva, ao que ele assim responde: “Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, que- rendo simplesmente bem ao mundo. Conheço com meu corpo todo, senti- mento, paixão. Razão também” (FREIRE, 1995a. p. 18). Essa inteireza não se efetiva no isolamento, mas na relação com o ou- tro no mundo e com o mundo. Para nossa reflexão é de particular interesse como ele descreve a passagem do contexto social e natural como mero su- porte ao status de mundo. A vida sobre o suporte não implica a linguagem nem a postura ereta que permitiu a liberação das mãos. O suporte torna-se mundo e a vida, exis- tência, à medida que cresce a solidariedade entre mente e mãos; à pro- porção que o corpo humano vira corpo consciente, captador, apreende- dor, transformador do mundo e não espaço vazio a ser preenchido por conteúdos (FREIRE, 1995a, p. 20). Essa passagem implica a invenção de técnicas e instrumentos para pro- duzir e reproduzir a vida, mas não se resume a elas. Ou seja, é um mundo feito e transformado pelo trabalho humano. Mas o mundo não se resume aos artefatos. Seu primeiro mundo – e que nunca deixou de fazer parte de seu universo – é significativamente o mundo próximo da natureza. Meu primeiro mundo foi o quintal de casa, com suas mangueiras, ca- jueiros de fronde quase ajoelhando-se no chão sombreado, jaqueiras e barrigudeiras. Árvores, cores, cheiros, frutas, que, atraindo passari- nhos vários, a eles se davam como espaço para seus cantares (FREIRE, 1995a, p. 24).

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