Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 3
Danilo R. Streck, Camila Wolpato Loureiro e Carolina Schenatto da Rosa 106 Enquanto isso, a humanidade vai sendo descolada de uma maneira tão absoluta desse organismo que é a terra. Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes – a sub-humanidade. Porque tem uma humanidade, vamos dizer, bacana. E tem uma camada mais bruta, rústica, orgânica, uma sub-humanidade, uma gente que fica agarrada na terra. Parece que eles querem comer terra, mamar na terra, dormir deitados sobre a terra, envoltos na terra (KRENAK, 2019, p. 11-12. Grifo nosso). Nessa mesma linha, Catherine Walsh (2014) aponta que por mais de 500 anos os povos indígenas e afro-caribenhos têm empreendido lutas deco- loniais. 5 O que estamos argumentando é que, no fundo, a decolonialidade se apresenta muito mais como atitude do que como perspectiva teórica-in- telectual. Uma práxis de insubmissão frente ao colonialismo e a coloniali- dade que já vem sendo promovida em diferentes frentes por toda a América Latina. Por isso, Krenak (2019) nos instiga a pensarmos sobre como o aque- cimento global é exemplo último do próprio modelo capitalista-moderno, uma vez que esse sistema matou e levou à extinção milhares de pessoas, comunidades e espécies naturais. Para o autor, a mudança se dá porque esse é o primeiro momento em que o “fim do mundo” se apresenta como possi- bilidade para todos os seres do planeta, independente do status político, geo- gráfico, econômico, cultural etc. Nesse sentido, a superação da colonialidade da natureza – ou período antropoceno, como chama Krenak – perpassa pela percepção da Terra enquanto uma casa comum : A conclusão ou compreensão de que estamos vivendo uma era que pode ser identificada como Antropoceno deveria soar como um alar- me nas nossas cabeças. Porque, se nós imprimimos no planeta Terra uma marca tão pesada que até caracteriza uma era, que pode perma- necer mesmo depois de já não estarmos aqui, pois estamos exaurindo 5 Podemos assumir que o debate decolonial não desenvolveu o conceito de colonialidade, mas contribuiu para a sua visibilidade enquanto categoria de análise. Entre os anos de 1950 e 1960 Fanon argumentava formas de superação da desumanização negra, muito próximos aos futu- ros debates decoloniais. Ou mesmo nos anos 1980 e 1990 as feministas chicanas queer Chela Sandoval e Emma Perez já trabalhavam com a ideia de decolonialidade. Para saber mais, ver Loureiro (2020).
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