Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 2

Aloisio Ruscheinsky 84 tecnológicas e às perversidades do processo de globalização. Cabe lembrar que ciência e tecnologia acompanham as diferentes civilizações e, como tal, também possuem diferentes significados ao longo da história, bem como não se apresentam de forma homogênea na contemporaneidade quanto a seus usos e consequências. Da mesma forma, existem diversos momentos e ímpetos no processo de globalização, com implicações diversificadas, por- quanto o saque aos bens naturais não é homogêneo, nem universal. O percurso produzido pelo antropocentrismo de alguma forma se suma- riza por meio da tecnocracia que, de forma inaudita, se radica na racionalidade, irradia também irracionalidades. A moderna economia sublinha o pressuposto ilusório de que todas as coisas apenas adquirem valor à medida que se tornam úteis nas relações sociais 5 . A perversidade das consequências do antropocentris- mo e do destaque à lógica do mercado tem também o seu reverso: há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descar- tadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o princípio do bem comum torna-se imediatamente, como consequência lógica e inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais pobres” (LS, 158). As desigualdades denunciadas são de tal monta que admitem ou endossam a descartabilidade de seres humanos, num ímpeto em que há a renúncia da própria humanidade. Neste sentido, mais do que nunca, a noção de justiça socioambiental está intimamente vinculada ao comba- te intransigente das múltiplas desigualdades (RIBEIRO, 2017). Na encíclica a ambição do bem-estar social incondicional e da justiça socioambiental é tida como dois indicadores de uma mesma equação. Se são temas que guardam supostamente estreitas relações, cabe destacar que, ao mesmo tempo, a sua junção não é algo automático. Por isto mantém, num relacionamento paradoxal, a junção entre a justiça do bem-estar social e a justiça socioambiental. À ecologia integral interessa a defesa de uma existência material da vida que vale por si mesmo e que precede ou encontra-se além do constru- tivismo. Ao mesmo tempo, entra aí um dos princípios da dialética de que tudo se relaciona, como afirma o texto de forma poética: “nós seres humanos somos unidos como irmãos e irmãs e nos unimos com terno afeto ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe terra” (LS, 92). E poderia acrescer, à irmã energia, ao irmão ar e ao irmão espaço, à irmã biodiversidade, entre ou- 5 Sobre este aspecto da interpretação consultar “Boff explica a ‘ecologia integral’ da encíclica” em https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/boff-explica-a-ecologia-integral-da-enciclica/.

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