Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 2

A ecologia dos saberes na cidade: justiça cognitiva e práticas de cuidado em liberdade 47 complexidade incluem o trabalho como eixo central, como organizador da vida dos usuários, contribuindo para a sua inclusão social. O principal foco de atuação é justamente a economia solidária, o trabalho autogestionário; da antiga concepção de ocupar o tempo e afastar o ócio, o papel do trabalho na reabilitação psicossocial se desloca para o campo dos direitos, das potências e das capacidades das pessoas que, ao realizá-lo, realizam-se como cidadãos, assumindo um papel de inserção social ativa e promovendo maior autono- mia em suas vidas. Acompanhamos esse empreendimento durante um ano, participando das reuniões, de eventos internos e externos, assistindo (ou trabalhando junto com eles) às oficinas em que produzem o material que vendem. São oficinas de papel reciclado, desenho, pintura, bordado, velas artesanais, serigrafia, bolsas e almofadas personalizadas, fotografia, mosaico, poesia e música. Esses encon- tros resultavam em vários produtos que eram comercializados e a renda gerada era dividida entre todos e todas. Acompanhamos os usuários-trabalhadores- -artistas (eles se reconhecem e nomeiam nesses três registros) em feiras, lojas/ espaços de comercialização, trabalhos de campo – para produzir fotografias, por exemplo, fomos a museus, parques, orla do lago Guaíba. Chama a atenção a relevância da experiência do sujeito em sofrimento psíquico produzir arte, comercializar seus produtos gerando renda, adquirir autonomia e fazê-lo entre – e atravessando as –, instâncias dos serviços vin- culados ao SUS, do Conselho Municipal de Saúde, do mercado de artesana- to, do movimento social da economia solidária. Interagem com um amplo espectro de atores e cenários sociais, conforme a possibilidade de cada um/ uma. Os usuários têm essa especificidade: as dificuldades psicológicas que, por vezes, podem ser um empecilho ao fluxo diário de trabalho, conforme o grau de limitação. No entanto, justamente porque vivem situações semelhantes, torna-se possível a compreensão e o manejo dessa condição específica, incenti- vando a solidariedade entre os membros. Efetivamente, esta é a inovação que permite a auto-organização do grupo, a partir do auxílio das profissionais da saúde para o trabalho produtivo organizado (SCHMIDT; GOMES, 2018). Por exemplo, no caso do GerAçãoPOA, pode-se ver a admiração das pessoas que compram os produtos em feiras, lojas, pontos fixos de venda em teatros, etc. Os clientes encantam-se com a qualidade dos produtos e sur- preendem-se por terem sido confeccionados por “loucos”. Por suas reações observadas em trabalho de campo, pode-se depreender que concluem que “os ‘loucos’ podem ser talentosos e capazes” e que o “SUS, afinal, faz coisas boas” (Diário de Campo, janeiro de 2018).

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