Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 2
Sinivaldo S. Tavares 34 escravagismo no território das colônias quanto na arregimentação de arte- sãos e operários nas fábricas no período da incipiente revolução industrial nas metrópoles. A discriminante entre um uso e outro se deu na invenção ideológica e colonialista da ideia de raça (QUIJANO, 2007). A “crença” na racionalidade e discurso da tecnociência tem nos feito reféns de mentalidade e linguagem pretensamente objetivas que, segundo se crê, refletiriam a realidade assim como ela é, sem tergiversações. E, nesse sentido, racionalidade e linguagem tecnocientíficas se imporiam como úni- co caminho de possível acesso ao real. Estaríamos diante de raciocínios e co- nhecimentos incontestáveis que só seriam acessíveis a técnicas sofisticadas de conhecimento manipuladas apenas por experts do âmbito da tecnociência. Por mais paradoxal que possa parecer, não há maneira mais sutil de tornar abstrata a realidade do que reduzi-la a simples objeto extenso e mensurável, pois reduzir a realidade a simples número é, no fundo, negar a diversidade inscrita na materialidade do mundo e revelada na convivência harmoniosa entre seres tão singulares. Só pode ceder à imposição unilateral da mercan- tilização e financeirização quem se deixa levar pela lógica da abstração da materialidade da vida. Nesse sentido, tem de fato razão Vandana Shiva ao escrever: No paradigma do patriarcado capitalista, o dinheiro foi transformado em “ capital ” de força criativa. Conecta falsamente a criatividade e a criação de valor a um construto chamado “ capital ”, uma abstração ba- seada no dinheiro. O dinheiro é um meio de troca que reflete o valor real de mercadorias e serviços reais, criados mediante o trabalho real e com a contribuição de uma natureza real e algumas pessoas reais. O dinheiro em sua abstração como “ capital ” se separa da realidade, e isto torna possível o extravio da criatividade. O “ capital ” se tornou o cons- truto dominante de nossa era. A concentração da riqueza e o dinheiro acumulado mediante a violência, guerras e pilhagem foram mistifica- dos como “ capital ”. E, com isso, a terra criativa foi declarada morta, matéria-prima, e os seres humanos e as comunidades livres e criativas também foram convertidos em ‘inputs’ passivos, com o rótulo “ força de trabalho ” (SHIVA, 2020). É imprescindível, portanto, que sejam trazidas ao diálogo múltiplas visões alternativas construídas por diferentes povos e, assim, salientar a di- versidade cultural produzida pela espécie humana a partir de suas distintas cosmovisões.
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