Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 2
Tecnociência e mercado sob o olhar da Ecoteologia 29 fato, o pensamento humano primitivo se articulava em torno dos binômios: luz e sombras, dia e noite, terra e céu. E, por incrível que pareça, esse tipo de pensamento está retornando em quitz televisivos, noticiários, exames es- colares e (pasmem!) até nas universidades. Mas o que torna uma técnica boa ou ruim não seria, em última análise, o bom ou mau uso que dela se faz? O que define a técnica é o próprio fato de usá-la, pois seu simples uso nos modifica. Basta, por exemplo, a exposição prolongada diante da TV ou do computador para que haja mudanças em nosso modo de pensar e sentir. E isso independentemente da qualidade boa ou ruim da programação ou dos sites acessados. Como também o simples uso de chats , independentemente da sala acessada, produz uma mudança significativa na maneira de nos relacionarmos com as pessoas. Nossos sen- timentos, por exemplo, são substantivamente modificados. A mídia amplia significativamente nosso ambiente circunstante, pondo-nos em relação com problemas do mundo todo. Como lidar com essa nova realidade, uma vez que nossa psique responde apenas ao pequeno ambiente onde nascemos ou cultivamos nossas relações? Se escuto dizer que, a cada instante, oito crianças no mundo morrem de fome, eu sinto muito, apesar de não ter condições de reagir emocionalmente, posto que este cenário ultrapassa as capacidades de minha percepção emotiva. É difícil, portanto, diante dessa notícia, não se tornar indiferente face a algo que, para mim, é percebido emocionalmente como meros dados estatísticos. E a consequência será que, para não ficar me martirizando por causa de minha impotência em modificar essa realidade, removo a informação. Como percebemos, portanto, nem emocionalmente estamos à altura do evento “tecnociência”. Mas, afinal, não seria o ser humano sujeito e protagonista das tecnologias várias, posto que inventadas e construídas por ele? Ou, ao contrário, estaríamos assistindo a uma “inversão antropológica”? Teriam os cidadãos chance de reconquistar a soberania popular sobre a tecnociência? Temos sido vítimas, segundo Morozov, de uma assimetria epistêmica: uma desproporção recí- proca entre a “hipervisibilidade” do cidadão comum, por um lado, e, por outro, a “hiperinvisibilidade” de alguns agentes sociais. Por tal razão, a situa- ção produzida por essa desproporção só poderia, eventualmente, se reverter mediante o consenso acerca dos limites de uso de algoritmos (MOROZOV, 2018, p. 138-143), o que não seria nada fácil pelo fato de nos encontrarmos no bojo de uma promíscua relação entre finanças, informação, tecnologia e política. Isso posto, Morozov pergunta-se: uma vez que a ciência experimen- tal foi produzida pelas democracias liberais que, em vez de causais são conse-
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